A Europa, 40 anos depois
Passam hoje 40 anos desde a assinatura do tratado de adesão de Portugal às comunidades europeias. É uma boa ocasião para, 40 anos depois, falar sobre o projeto europeu - sobre o que é; sobre o que tem sido; sobre o que deve ser.
Os portugueses são um povo europeísta. Um dos mais europeístas da União. Já o eram em 1985 e, hoje, continuam a sê-lo. É o que dizem os dados mais recentes do Eurobarómetro, publicados neste ano.
Os portugueses gostam do projeto europeu. Não apenas por causa das vantagens que a Europa nos proporciona. Não pelos fundos comunitários, pelo programa Erasmus ou pelas facilidades do Espaço Schengen. Gostamos do projeto europeu, porque ele nos permite sermos parte de algo maior.
A Europa, como hoje a conhecemos, nasceu dos escombros da II Guerra Mundial - uma guerra que destruiu 25% da infraestrutura do continente e dizimou 37 milhões de vidas europeias - para ser um projeto de esperança, paz e desenvolvimento.
Nunca foi só um mercado comum. Nem uma plataforma de entendimentos. Nem sequer uma estratégia para os países europeus manterem a sua relevância num mundo globalizado. A Europa sempre foi muito mais do que isto. Foi, desde o início, um imenso projeto político. Ambicioso. Arriscado. Improvável. E hoje, como sabemos, extremamente bem-sucedido.
A Europa, como hoje a conhecemos, nasceu da ideia de que ingleses e franceses, alemães e polacos, espanhóis e portugueses tinham interesses comuns e uma identidade partilhada. Tinham mais a uni-los do que a separá-los.
Procediam da mesma cultura, da mesma base civilizacional, do mesmo conjunto de valores. E, por isso, podiam viver em paz. Podiam trabalhar juntos. Podiam construir um projeto comum.
Foi sempre isto que esteve em causa na ideia europeia. O sonho de unir, de derrubar desconfianças e medos, de construir juntos um futuro de desenvolvimento, crescimento, democracia e paz. Foi a esse sonho que aderimos, convictos, há 40 anos. É a esse sonho que permanecemos vinculados.
Importa, por isso, em dia de aniversário, recordar o essencial.
Primeiro, a identidade. A nossa base civilizacional comum. Porque hoje, tantas vezes, a Europa gasta demasiado tempo a desconstruir o seu próprio passado. A olhá-lo criticamente. Ou a problematizar o modo como deve acolher as outras culturas - ao mesmo tempo que se esquece de valorizar a sua. De estimar e potenciar a identidade europeia. Sem wokismos, nem extremismos.
Depois, a política - na aceção mais nobre do termo. Hoje, tantas vezes, a Europa parece mais uma máquina administrativa do que um projeto político. Desdobra-se em regulamentações, em análises, em pareceres. Mas sofre, ao mesmo tempo de uma crise de decisão.
Mais do que discutir as vantagens do comércio livre precisamos de celebrar novos acordos comerciais. Mais do que alarmarmo-nos com a crise ecológica e energética, precisamos de encontrar novas fontes de energia europeia e verde. Mais do que regulamentar as grandes tecnológicas, precisamos de criar condições para que essas empresas surjam em solo europeu. Mais do que teorizar sobre futuros alargamentos ou reformas institucionais, é preciso tomar decisões e fazer acontecer.
Estamos, em muitas dimensões do projeto europeu, estagnados.
O último alargamento da União foi há 12 anos. A última discussão profunda sobre a reforma das instituições foi há 18. A economia europeia desacelera, a nossa agricultura e a nossa indústria têm dificuldades. Temos dificuldade em inovar. Em liderar o progresso tecnológico. Em preservar o nosso prestígio diplomático e em aumentar a nossa capacidade defensiva.
E, no entanto, apesar de todos estes desafios e crises, os cidadãos continuam a acreditar no projeto europeu. Continuam a acreditar nos valores que deram origem à Europa como hoje a conhecemos.
Importa, por isso, que as lideranças europeias estejam à altura dos cidadãos. Que temam mais o imobilismo do que a mudança. Que saibam inspirar e mobilizar. Que criem novas soluções dentro do projeto europeu - sob pena de os cidadãos as irem procurar noutro lugar.
Precisamos, hoje como há 40 anos, de ideias claras e de lideranças fortes. Precisamos, cada vez mais, da Europa.
Presidente da Assembleia da República