À espera do próximo vencedor

A vitória de Emannuel Macron é importante. Muito importante, mesmo. A alternativa teria posto em causa a democracia francesa e a viabilidade europeia. Mas mais relevante do que a vitória é o que fica à sua volta. Macron ganha a presidência da república de um país dividido em três. Ao centro, o presidente reeleito. À direita e à esquerda dois discursos extremados, em boa parte compatíveis e equivalentes; entre os dois extremos e o presidente, o vazio. É esse o problema que estas eleições não resolveram.
Há cinco anos foi uma vitória, agora foi sobretudo um alívio. Há cinco anos a chegada de Le Pen à final foi preocupante, mas a maioria dos eleitores da primeira volta tinha escolhido candidatos moderados. A passagem à segunda volta de Le Pen preocupou, mobilizou e avisou que o pior podia estar para vir. Mas foi uma preocupação em grande parte superada pela surpresa Macron. O presidente foi eleito sem ter 40 anos, sem antes ter alguma vez sido eleito para o quer que fosse, e sem o apoio de um partido tradicional. O pior veio a seguir.

Depois das presidenciais de 2017, o Partido Socialista francês continuou o seu suicídio, enquanto Macron foi cooptando alguns dos melhores e mais promissores dirigentes dos Republicanos, a direita conservadora francesa. No final, ao centro só sobrou ele.

Há 15 dias, no termo da primeira volta, a candidata socialista, que preside à Câmara Municipal de Paris, o que não é exactamente uma irrelevância política, teve menos de 2% e 616 mil votos. Do lado dos republicanos,a coisa não correu muito melhor. Há cinco anos, François Fillon, o candidato da direita conservadora que enfrentou um escândalo em plena campanha, teve mais de 7 milhões de votos. Desta vez, Valérie Pecresse, com menos de 1 milhão e 700 mil votos não chegou aos 5%.E Jean-Luc Melénchon desta vez teve 7 milhões e 700 mil votos. Cerca de 700 mil mais do que em 2017. É bastante, mas a grande diferença é que agora isso foi suficiente para ficar em terceiro lugar.

Apesar de Macron ter tido mais votos na primeira volta de 2022 do que na primeira volta de 2017 (9 milhões e 700 mil há quinze dias, contra 8 milhões e 600 mil há cinco anos), o problema é o tal vazio no resto do centro.Para lá de Macron, não há mais nada. E não é fácil saber se daqui a cinco anos haverá.
O facto de Macron ter puxado para si os talentos dos seus concorrentes mais próximos explica, em parte, a ausência de alternativas do centro-direita ao centro-esquerda. O facto de ter governado contra a, ou apesar da, França anti-globalista, anti-mercado, anti-concorrência e, sobretudo, anti-reformas, explicará o resto.

Como é que não se volta aqui? É a grande questão, que Macron prometeu resolver há cinco anos e manifestamente não conseguiu.

A Extrema-direita e a extrema-esquerda francesa correspondem a distintas tradições. Uma, mais xenófoba, racista, colaboracionista e economicamente proteccionista. A outra, iliberal, populista, de raiz revolucionária e anti-capitalista. Em grande parte, opostas. Mas há dois pontos em comum. Ambas recusam o modelo económico e político vigente (a economia de mercado, o comércio internacional, a concorrência, aUnião Europeia tal como ela é, o Ocidente e a NATO), e ambos falam de fora para dentro do sistema. Le Pen e Mélenchon são dois problemas graves, mas até agora controláveis. Se aparecer um candidato que fale ao mesmo tempo à maioria dos seus eleitores, esse, sim, será o grande problema. Eventualmente definitivo. E não é impossível de acontecer.

Um manifesto de apoio a Melénchon, de Corbyn ao Podemos, de Lula da Silva a Pablo Iglésias, dizia há semanas que pelo mundo fora a extrema-direita tem sido a alternativa de sucesso ao neoliberalismo, mas que há outra alternativa: o programa de Mélenchon. Sem querer, a esquerda radical internacional reconhecia que um e outro, o seu programa e o da extrema-direita, são as alternativas ao que chama neoliberalismo e a maioria chamará o grande centro. Se, nas próximas eleições francesas, houver dois, em vez de três blocos, o resultado será muito facilmente outro. A pergunta que importa é como é que isso se evita. Tudo o resto é tão transitório como a vitória de Macron.


Consultor em assuntos europeus

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