A Espanha quer correr em África em pista própria

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O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, esteve recentemente em Luanda e, no regresso, em Dakar. A deslocação marcou o arranque do plano de ação aprovado pelo seu governo com o título "Foco África 2023". O plano é uma aposta na prosperidade africana. A Espanha quer ser um dos grandes parceiros do desenvolvimento de um conjunto de países designados como prioritários.
A lista inclui, no norte, Marrocos, Argélia e Egito, deixando de fora a Líbia e a Tunísia - uma nação a que a Europa deveria dar uma atenção especial. Inclui ainda toda a África Ocidental (CEDEAO) e países de outras regiões - a Etiópia, o triângulo que Quénia, Uganda e Tanzânia formam, a África do Sul e, mais perto dos interesses portugueses, Angola e Moçambique. Esta dispersão de esforços parece-me um ponto fraco.

O plano assenta no reforço das embaixadas, das delegações comerciais e na expansão da cooperação bilateral, incluindo nas áreas da cultura, da segurança e da defesa. Para além dos intuitos políticos, abre a porta e protege os investimentos privados espanhóis nos países selecionados. É uma intervenção com duas frentes complementares, a política e a económica. Arancha González, que chefiou o Centro de Comércio Internacional, um organismo da ONU, e que agora é ministra dos Assuntos Exteriores, teve a oportunidade de ver o que a China, a Índia e outros estão a fazer em África. Essa experiência permitiu-lhe desenhar uma estratégia atual, atrativa e capaz de responder ao nacionalismo espanhol. Serve, por outro lado, a agenda pessoal da ministra, que sonha com grandes voos na cena internacional.

A ambição declarada é a de transformar a Espanha num ator indispensável em matérias africanas, no seio da União Europeia. Assim conseguirá aumentar o seu peso relativo no universo de Bruxelas. O documento diz claramente que Madrid quer liderar a ação da UE em África. Os políticos e os empresários espanhóis sabem que o relacionamento da Europa com o continente africano vai ser, por várias razões, um tema central da política externa europeia. Estão a posicionar-se para tirar o máximo proveito desse futuro.

A Espanha não tem a experiência subsariana que outros países da UE acumularam ao longo da história. Mas mostra determinação política. Poderá desenvolver relações mais objetivas, sem as sombras do passado colonial e as incompreensões surgidas pós-independência. Seria um erro, no entanto, não procurar aproveitar as ligações e o conhecimento que nomeadamente França, Bélgica e Portugal adquiriram.
O desafio é demasiado grande para uma incursão sem parcerias. É esse o segundo ponto fraco desta jogada.

A visita a Angola deixou claro que se trata de ocupar o maior espaço económico possível, da agricultura e pescas aos transportes e à energia. Existem mais de 80 projetos de investimento espanhol já em curso ou em fase de arranque. Parece haver igualmente a intenção de contar com Luanda para ajudar Madrid na normalização das relações com a Guiné Equatorial, que foi a única colónia que Espanha teve ao sul do Sara e que agora faz parte da CPLP. À primeira vista, estas diligências parecem estar em competição direta com os interesses de Portugal. Ora, o conhecimento das complexidades de Angola e da Guiné Equatorial aconselhariam a um esforço conjunto por parte dos dois Estados ibéricos.

No Senegal, a problemática é diferente. Tem que ver com as migrações clandestinas. O país é a placa giratória para os que pretendem entrar no espaço europeu através das Canárias. Os senegaleses estão em segundo lugar, depois dos marroquinos, no que respeita às chegadas ilegais ao arquipélago espanhol.
É também pelas praias senegalesas que passam muitos outros, vindos de países da região. Por isso, Espanha tem destacados no Senegal 57 polícias e guardas-civis, para ajudar a desmantelar as redes de tráfico e evitar que as pessoas se lancem numa travessia marítima muito perigosa. A outra dimensão da visita a Dakar prende-se com o facto de o Senegal continuar a ser o centro político e uma âncora de estabilidade na África Ocidental.

Fica, de tudo isto, a nota que correr em pista própria, na imensidão africana, é um desafio que nem a um gigante aconselho.

Conselheiro em segurança internacional. Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

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