A escassez de capital humano
Se os eleitores entregarem hoje aos políticos um mandato claro para os próximos quatro anos, materializado por uma solução de governo estável e responsável, estou certo de que 2022 será um grande ano para Portugal. Do balanço das qualidades e defeitos que nos caracterizam como país e como povo, emerge reiteradamente uma grande capacidade de reação à adversidade, de superação perante nuvens mais escuras. Os últimos anos testemunharam essa imensa e genuína força nacional, deixando a descoberto a diferença entre o país real, que vê o copo meio cheio e vai à luta, e o país comunicado, que frequentemente prefere o copo meio vazio e se entrega ao mister do passa-culpas.
Será sobre os escombros de duas crises - a pandémica, que não pudemos evitar, e a política, que inventámos do nada -, que se construirá a ambicionada recuperação económica. Se os astros se alinharem, o crescimento será em força, pois beneficiará adicionalmente da explosão de motivação decorrente do adeus à Covid. Mas há, ainda assim, ameaças que vêm de trás e que importa resolver. Uma delas é a falta de mão-de-obra.
Dois dos setores que mais têm sinalizado este problema são a construção e o turismo, por sinal áreas estratégicas e tradicionais no nosso tecido empresarial. O tema não é novo, mas aparentemente os lamentos não têm dado lugar a uma ação decisiva. Juntos, estes dois setores valiam antes da pandemia um pouco mais de 21 por cento do PIB e empregavam mais de 600 mil trabalhadores. Importa, então, evitar que a escassez de capital humano prejudique o ritmo de crescimento de uma parcela que pode chegar a um quarto do PIB e que é das que estão mais bem distribuídas geograficamente, levando rendimento a quase todo o território nacional.
Vejo três linhas de atuação para ultrapassar esta dificuldade e nenhuma delas me parece complexa ou muito custosa, sobretudo face aos benefícios que trazem. Refiro-me à imigração seletiva de trabalhadores, à formação profissional e à sua remuneração.
A demografia não tem ajudado e não vai melhorar tão cedo. Precisamos de pessoas, de famílias, de trabalhadores e de contribuintes. À imagem do que fazem países como a Austrália, o Canadá ou a própria Alemanha, o novo governo deverá desenhar e lançar, num prazo de 100 dias, um programa de vistos-convite, devidamente protocolado com as associações dos setores da construção e do turismo, que permita receber no país 100 mil imigrantes, o que corresponde a mais ou menos o défice de mão de obra dos dois setores. Estas pessoas viriam com um pré-contrato de trabalho, que se converteria em contrato definitivo após cumprirem um período de formação, cuja duração poderia variar entre um e três meses, conforme as profissões.
Existem em Portugal escolas de formação profissional nas áreas do turismo e da construção, algumas das quais geridas por associações empresariais. Mas é necessário fazer mais e as empresas não se podem colocar à margem. Sobretudo no setor do turismo, seria possível criar uns quantos hubs de formação dedicados, localizados fora dos grandes centros e utilizando profissionais ativos como formadores.
Por fim, a remuneração. Estima-se que, em ambos os setores, a percentagem de trabalhadores que recebem o salário mínimo seja de 40 por cento. Não pode ser. Há que tornar as profissões mais atrativas, com melhores remunerações e melhores condições, porque só assim os setores serão mais valorizados pela sociedade. Se a consequência for a subida do preço final dos produtos, como aconteceu noutros países europeus, que assim seja.
Professor catedrático