A equação P.Diddy: sexo, poder e violência

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A frase é atribuída a Oscar Wilde: “Tudo no mundo é sobre sexo, excepto o sexo. Sexo é sobre poder.” O sexo foi usado historicamente como moeda de troca, como via de coação e punição, como forma de controlo, humilhação e, assim, como um relembrar de quem ocupa o lugar do dominador e do submisso.

E não, não estou a falar de relações consensuais, seguras e respeitosas entre dois adultos conscientes e no pleno uso das suas capacidades mentais e físicas. Estou a falar do uso do sexo como forma de violência e de manutenção de um clima de intimidação, tornando a mulher num mero objeto a ser usado pelo homem.

Há uns anos fiz uma reportagem que se intitulava “Quando elas são violadas pelos maridos”, e logo recebi várias mensagens de quem não entendia as fronteiras entre o que era o dever do casal e o que constituía violência de facto. Ora, o dever conjugal de coabitação já foi invocado em vários processos formais como sendo um dever que impõe aos cônjuges a comunhão da habitação, mas também a comunhão do leito, ou seja, “o dever de manutenção de relações sexuais”. Creio ser sensato admitir que este dever cai por terra quando entra em cena a violência para satisfazer esses fins, ou seja, a violação. Seja da esposa, da namorada, ou da ex-companheira.

Em Portugal foram reportados em 2023, segundo a APAV, 222 casos de violação contra adultos. Houve ainda registo de 64 casos de coação sexual. Repito: casos reportados, pois o número de queixas e o número de casos reais será largamente diferente.

É mais socialmente aceitável (e percetível) denunciar o monstro violador que surge numa rua escura, num bar ou num serviço de transporte do que o homem que temos ao nosso lado. A assunção de culpa é apreendida com uma velocidade incomparável. Mas o que é facto é que muitos destes casos acontecem nas relações de intimidade, como é o caso da conjugalidade, enquadrando-se este fenómeno na violência doméstica, que é o crime que mais mata em Portugal.

No Brasil, por exemplo, entre 2011 e 2022 foram registadas 350 mil agressões sexuais contra mulheres. Destas, em mais de 42 mil dos casos o autor era o namorado ou o cônjuge da vítima, segundo os dados disponíveis no Mapa Nacional da Violência de Género. Isto equivale a sensivelmente 1 em cada 8 casos.

Sexo, poder e violência estão intimamente relacionados: veja-se o caso P.Diddy. Rapper e produtor, um dos nomes mais poderosos do hip-hop americano, tremendamente rico. Foi preso na semana passada por alegadamente ter violado, coagido e agredido física e sexualmente mulheres para “satisfazer os seus desejos sexuais”. Terá criado as chamadas freak-offs, festas que envolviam maratonas sexuais forçadas, abuso de álcool e drogas.

O caso começou a ser descoberto através da ex-namorada Cassie, que entrou com um processo judicial no ano passado. Terá sido obrigada a participar nas orgias sexuais, para deleite do namorado, sendo que os participantes estavam sempre a ser filmados para que os vídeos servissem como chantagem para o silêncio.

O sexo continua a ser uma arma, usada para envergonhar, para controlar e para amordaçar. Tantos crimes sexuais que ficaram na intimidade e que estão por ser descobertos. De Nova Iorque a uma qualquer casa deste país.

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