A energia do bom combate: carta à minha geração

Cada apitadela tem uma história p"ra contar/ Diga uma composição que vai rolando sem parar/ assim como o caminho da toada popular/ que não se agarra a uma maneira ou forma de cantar// Pouca terra me foi dada no caminho pra rolar/ Onde não tem cor a terra que parece sempre igual/ Mas dos trilhos e lados nascem roseirais/ que dão força ao meu fogueiro que embalam o meu andar// [...]/ Era a lua que me amava nas noites de pouca-terra/ e me dizia então:/ sopra o vapor desta guerra [...]".

A música inflama o temperamento. Nesta luta dos professores, há uma música que irrompe com o vigor de quem traz, como o comboio dos Trovante, a energia da toada popular que não se agarra a uma maneira ou forma de cantar. É a música da justiça que havemos de percorrer até que este Governo compreenda que é Portugal que está em causa. Não há país possível onde todos possam e queiram viver, se o preço das casas, a degradação dos serviços públicos, a corrupção nas empresas e nos sectores do Estado marcam o nosso dia-a-dia. Ressentimento, pobreza, alienação -- é isso que este PS pretende? Se for isso, está no bom caminho...

A letra (o poema) e a música dos Trovante tem sido, por estes dias, para mim, que a oiço inúmeras vezes, uma das fontes para estar animado neste bom combate abraçado por escolas, sentido em encontros e vigílias e manifestações. Para a minha geração (e muitos ministros e Secretários de Estado deste PS são já da minha geração), que não viveu o tempo do Fascismo, nem o pós-Abril, mas é filha da época de ouro que, de 1974 a 1986 correspondeu à construção sólida dum Estado Social, duma Escola Pública, livre, democrática, é importante lembrar que Abril não pode ser esquecido nem traído. No "país de Abril", em 2023, a atmosfera é, de novo, de ar rarefeito, asfixiante -- nas escolas muitos são perseguidos, controlados por direcções ao serviço do novo totalitarismo alimentado pelos executantes do eduquês digital-excel-burocrático. O mesmo acontece nos mais diversos sectores profissionais.

Amarrados à tecnocracia de Bruxelas (muitos governantes venderam a alma...), sustentáculo dos regimes totalitários, das duas uma: ou seremos livres e cidadãos conscientes em 2033, ou estaremos reféns de políticos que só obedecerão às imposições do empresariado do lucro e da exploração. Este Governo do PS é a última barreira contra a depredação que se aproxima. Mas a irresponsabilidade de políticas que visam criar uma sociedade alienada traduz-se no empobrecimento cultural e económico. Todos vemos os valores de Abril serem postos no lixo e isso tem de ser denunciado. Quem está nas escolas e nas universidades sabe que a ignorância medra entre os estudantes. E grassa entre muitos docentes. A poesia, a Literatura, a História, a Música (a música de facto!), as Artes, o Teatro, eis os parentes pobres dum sistema educativo cuja finalidade única, sob a capa do progresso e do que é moderno, é formatar para escravizar os jovens pobres deste país. Os pobres serão futuros escravos do mercado de trabalho: todos iguais, sem expectativas que não a de ver se o Benfica é ou não campeão... É que pobre é perigoso mundo este que estamos a construir... Está tudo ligado neste bom combate pela Escola Pública: É de Memória, Cultura, Livros, Música, Teatro (e não a palhaçada fetichista dos computadores, dos powerpoints, das grelhas excel, dos manuais digitais!); é das artes que libertam o espírito humano -- é disso que todos estamos necessitados!

João Costa, que é da minha geração, tem de ouvir Abril e a toada popular -- é com investimento na cultura que se fará o país! Ouvir o nosso tempo. A Toada diz: Portugal não pode ser só para os ricos! O comboio da cultura -- colegas da escrita e das artes, este combate é nosso também!! -- tem, por isso, de se juntar ao da educação. No vapor desta guerra faço o apelo: juntem-se, todos os da Cultura, sem preconceito e medo, aos professores!!

Livro: Aviso aos alunos do Básico e do Secundário

Autor: Raoul Vaneigem

Editora: Antígona

Depois de divorciar as crianças e jovens da energia vital da imaginação e da criatividade, o Sistema Educativo global tem como fito "empaturrar" os estudantes com competências cujo único fim é conduzi-los a um mercado de trabalho onde, até à náusea, todos serão iguais: acríticos, acéfalos, inconscientes de serem apenas um número para as oligarquias dominantes.

Livro onde se defende a seguinte tese: a educação centrada no sucesso e na competição é inimiga da felicidade. Ora, o verdadeiro imo da educação é só um: construir pessoas mais felizes porque conscientes do que são e o para que são. Mais dinheiro, mais poder, à força da alienação da maioria, isso é desmontado neste breve livro, imperioso libelo a dar a ler a pais, professores, governantes e estudantes.

Professor, poeta e crítico literário

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