A emergência dos cobardes
Nos últimos tempos, uma nova forma de violência tem vindo a ganhar terreno. É uma violência sem coragem, mas com dentes afiados. Cobarde, mas crescente. Violência que não se assume como tal, mas que deixa rasto de sangue, de medo, de vergonha. Chamo-lhe a emergência dos cobardes. Não porque sejam menos perigosos, mas porque têm em comum traços reveladores: a tendência para agir em grupo, para se empoderarem pelas redes sociais e para negarem a autoria dos seus comportamentos.
Chamemos as coisas pelo nome. Cobardes são os que atacam em matilha um carro com quatro adeptos de um clube, ferindo dois com gravidade, à saída de um jogo de hóquei em patins. Dez? Vinte? Pouco importa. Atacaram em bando, como fazem os fracos quando querem parecer fortes. Como fazem os que precisam de ser muitos para esconder o nada que são sozinhos.
Cobardes são também os que, à porta de um teatro, esperam por um ator para o agredir a murro, sem provocação, sem palavra, apenas com o ódio na ponta dos punhos. Não se vislumbra qual a desculpa ou o motivo imediato, mas sente-se o ódio pelo outro, pelo diferente. Um dos agressores pertence a um grupo neonazi e já era conhecido dos serviços de informação. E, no entanto, lá estava, à solta, a fazer o que faz um cobarde, a atacar onde julga que não terá resposta.
Cobardes são ainda os que se juntam para insultar o imã David Munir no Dia de Portugal, ou para agredir voluntárias que distribuem comida a sem-abrigo. Porque os alvos são fáceis. Porque é mais simples cuspir ódio do que construir empatia. Porque a violência se vai banalizando, validada por movimentos políticos que transformam preconceito em programa e raiva em capital.
E há uma nova geração de cobardes: os que filmam as suas próprias atrocidades para ganhar seguidores. Quatro influencers violaram uma adolescente de 16 anos em Loures. Filmam. Partilham. Riem. Só depois, quando a polícia bate à porta, é que se lembram de apagar, negar, esconder. Não por arrependimento, mas por medo das consequências. Mais uma vez: cobardes.
O que une estes casos? A incapacidade de assumir. A coragem que só existe em grupo. A violência que só sai quando há câmara a filmar ou anonimato garantido. O desprezo pelo outro disfarçado de bravura. O ódio travestido de militância.
Mas há ainda um fator de contexto: a atmosfera. O caldo de cultura, que parece evoluir no sentido do extremismo, do mundo preto e branco. O ambiente propício à validação da violência contra minorias, contra quem pensa diferente. A ascensão da extrema-direita em Portugal — mesmo que negada, disfarçada ou relativizada — está a normalizar a linguagem do confronto, a legitimar o discurso da exclusão e a acender o rastilho da violência.
É neste cenário que os cobardes florescem. Alimentam-se da impunidade, da indiferença, da cumplicidade silenciosa. Mas denunciar não chega. É preciso
nomear. E é preciso escolher: entre o silêncio ou a coragem de chamar os cobardes pelo nome.