A Educação como construção de oportunidades
Decorre hoje a apresentação do número da Revista Ibero-americana de Educação (RIE) dedicado aos efeitos da pandemia na educação, mas centrado sobretudo nas transformações e nas oportunidades que se apresentam. Este número é coordenado pelo prestigiado Professor de Harvard, o venezuelano Fernando Reimers, diretor do Centro de Investigação sobre Educação Global daquela universidade, coordenador de vários estudos da OCDE e do Banco Mundial, e membro da Comissão para o Futuro da Educação da UNESCO.
Retomo, por isso, a simples e complexa definição que Reimers nos dá de educação como "construção de oportunidades para as pessoas desenvolverem as capacidades e a mentalidade que as ajudarão a viver de forma a ter objetivos que valham a pena alcançar."
A pandemia que vivemos alterou bruscamente o funcionamento da escola e dos sistemas educativos com impactos previsíveis nas oportunidades de aprendizagem. Como tem vindo a alertar o secretário-geral das Nações Unidas, esta crise global aprofundou as desigualdades e reduziu as oportunidades dos mais vulneráveis. As perdas de aprendizagem ameaçam estender-se a gerações futuras e apagar décadas de progresso, sobretudo ao nível da inclusão e da igualdade. É verdade que houve uma generalizada mobilização dos Governos para encontrar soluções de ensino remoto - plataformas digitais, rádio, televisão, serviço postal - envolvendo nesta gigantesca tarefa alunos, professores e famílias. Como seria de esperar, a capacidade de resposta foi distinta e tornou ainda mais nítidas as assimetrias.
No artigo de abertura deste número da RIE, Reimers argumenta que a pandemia inicia a quinta vaga de transformações dos sistemas educativos da América Latina, aumentando as diferenças de oportunidades entre os alunos de distintas classes e nacionalidades. A primeira grande vaga teria sido o período colonial em que se decidiu quem poderia aceder à educação, seguindo-se a vaga das independências (estamos em plena comemoração do bicentenário) que teve a educação como grande bandeira, mas excluindo quase sempre os indígenas. A terceira vaga ocorre com a Declaração Universal dos Direitos Humanos que reconhece a Educação como direito, abrindo as portas à sua generalização. A quarta vaga terá surgido a partir dos anos 90, como resposta ao processo de democratização da região, verificando-se um aumento do investimento em educação e as primeiras tentativas de atenção aos mais pobres. Também em Portugal ocorreram várias vagas.
Pode dizer-se que, nas últimas três décadas, se conseguiram assinaláveis resultados, apostando na formação de professores e na universalização da educação básica, aumentando o número de anos de escolaridade obrigatória e a autonomia das escolas, reforçando as medidas de inclusão e os níveis de exigência curricular. Entre 2000 e 2018, a percentagem de alunos que completou a educação básica passou de 79% para 95% e, no primeiro ciclo de educação secundária, de 42% para 63%. Também a frequência do ensino superior na América Latina aumentou de 20% em 2000 para 40% dez anos depois, tendo continuado a aumentar até ao princípio da pandemia.
Os desafios e as oportunidades que vivenciamos atualmente enquanto humanidade são de natureza global - tomemos o exemplo das alterações climáticas, do comércio, das pandemias, da segurança, da gestão da ciência e das suas conquistas. Todos eles só podem ser corretamente compreendidos e enfrentados através de uma consciência de interdependência e por uma visão e ação coordenada, coerente e complementar, em que a Educação tem um papel charneira, com impactos na esfera pessoal e coletiva, como Reimers expõe no seu muito recente livro Educar os Estudantes para Melhorar o Mundo.
Esta quinta vaga de transformações pode ser um sucesso ou um desastre, aproximar ou dividir. O desafio está muito além das competências digitais, passando por novos processos pedagógicos que aprofundem o conhecimento, mas também a compreensão e a reflexão crítica e fomentem uma ação empenhada e solidária no mundo, a partir da ação individual e local.
Este número da RIE recebeu 156 propostas de artigos, o que muito diz sobre o interesse do tema e a reflexão que tem suscitado. Pela qualidade dessas propostas, será publicado um segundo volume, perfazendo 20 artigos. Este é também o compromisso da OEI: partilhar conhecimento e, assim, contribuir para que nos ajudemos a construir mais oportunidades para todos.
Diretora em Portugal da Organização de Estados Ibero-Americanos