A economia é imune à crise política?

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Um dos aspetos mais interessantes da atual crise política é o facto de a economia portuguesa parecer , em grande medida, desligada dos dramas que decorrem em São Bento. Há alguns anos, a queda de um governo representaria a paralisação da economia. Hoje, embora se espere algum impacto, devido à colocação em stand-by de alguns dossiês importantes, as consequências no curto prazo serão de menor gravidade (mas já iremos às de longo prazo). A própria aplicação do PRR - o último argumento dos irredutíveis da estabilidade - parece não estar em causa. Tudo indica, aliás, que as perspetivas para a economia e para as contas públicas não serão um dos temas fortes da campanha eleitoral que se avizinha, apesar da importância de questões que lhes estão associadas, como o aumento do custo de vida e o acesso à habitação.

O que explica isto? O que mudou na economia portuguesa, que fez com que a queda de três governos num curto espaço de tempo não tenha as mesmas consequências que teria outrora?

Em primeiro lugar, nos últimos 15 anos ocorreu uma viragem na economia portuguesa, no sentido da sua internacionalização. Em 2009, as exportações representavam o equivalente a 27,3% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2023, já valiam 47,3% do PIB, ou seja, mais 20 pontos percentuais. Embora seja discutível até que ponto se está a criar valor acrescentado para a nossa economia, o facto é que milhares de empresas voltaram-se para os mercados internacionais, sobretudo a partir dos anos duros do resgate da troika.

O turismo tem sido um dos setores que lideram esse movimento: as exportações de turismo (isto é, o acolhimento de visitantes estrangeiros) valem hoje 9,5% do PIB. Para as empresas que estão mais voltadas para mercados externos e não dependem tanto do Orçamento do Estado e das prioridades dos sucessivos governos, a realização de eleições antecipadas não constitui um problema de maior, embora não possa ser ignorado. Para uma pequena economia aberta ao mundo, os principais riscos são externos e fáceis de identificar, como a guerra comercial, a recessão na Alemanha e os conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente.

O segundo fator que explica esta aparente imunidade da economia portuguesa ao contexto político diz respeito à convicção de que, mesmo na instabilidade, Portugal continua a ser um país relativamente estável e atrativo para o investimento estrangeiro. O aparente paradoxo explica-se pela tradicional alternância no poder entre o PSD e o PS. Apesar de algumas diferenças em áreas como a fiscalidade das empresas e a legislação do imobiliário, não existem divergências de fundo que façam os investidores fugir do país. Mais do que saber se é possível ter um ponto a mais ou menos na taxa do IRC, o que os investidores estrangeiros pretendem é previsibilidade. E embora também neste capítulo pudéssemos melhorar, somos suficientemente estáveis e previsíveis até nas coisas negativas, como a burocracia e a lentidão da Justiça. Assim, não deixa de ser possível fazer um business plan.

Dito isto, podemos estar descansados em relação ao efeito que as crises políticas podem ter na nossa economia? Não. Longe disso. Uma coisa são os efeitos de curto prazo. Outra são os de médio e longo, que impossibilitam a realização de reformas estruturais e a definição de estratégias sólidas para o futuro. Teríamos muito a ganhar se fôssemos capazes de traçar as prioridades e metas nacionais a 10 ou 20 anos. Aproveitemos pois a crise - palavra que, na sua raiz, significa um momento decisivo de mudança - para criar as condições para uma estabilidade duradoura que permita, a seu tempo, fazer as reformas de que o país necessita.

Diretor do Diário de Notícias

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