A direita e a esquerda na justiça fiscal
Todos concordam com o princípio da justiça fiscal. Ou, pelo menos, dizem concordar. É que, quando se aprofunda a questão e se pergunta o que é que isso significa e, mais ainda, como é que se concretiza, as respostas tendem a divergir consoante se seja de direita ou de esquerda.
No Parlamento Europeu, enquanto responsável por um dossiê sobre a evasão fiscal na tributação de dividendos (por onde se escapam verdadeiras fortunas em fugas aos impostos) tenho-me confrontado com essa clivagem ideológica.
Difíceis negociações emergem assim em torno de assuntos de grande complexidade técnica mas que, no final, representam visões diferentes sobre a sociedade. Uns pugnam por justiça social, outros por liberalismo económico. Uns lutam contra a "concorrência fiscal agressiva", que permite a multinacionais e grandes fortunas pagar poucos ou nenhuns impostos, outros tentam impedir que a expressão conste sequer nos documentos. Sei que pode parecer estranho, mas é exatamente assim.
Para a direita, a expressão "concorrência fiscal" é intrinsecamente positiva. Permite atrair empresas de outros países seduzidas pela baixa carga fiscal, argumentam, ignorando que há sempre alguém disposto a baixar ainda mais.
Claro que essa corrida para o fundo só acaba com impostos à taxa zero - e há efetivamente países que atingiram essa "orgulhosa" marca - destruindo o Estado social. Foi para travar esta espiral negativa que, no ano passado, se chegou a um acordo mundial para a aplicação de uma taxa mínima de IRC sobre multinacionais, a que mesmo países como Irlanda, Hungria ou ilhas Caimão aderiram, comprometendo-se a subir os impostos sobre as empresas.
Este acordo resultou de duas constatações óbvias. A primeira, que a "concorrência fiscal" tem levado a que as taxas de impostos sobre as empresas tenham sido reduzidas ao longo dos anos - em particular na UE, cuja taxa média (tal como em Portugal) é hoje de 21%, bastante inferior a Canadá, Japão ou Austrália, e em linha com os EUA depois do corte fiscal de Trump (Biden propõe 28%). A segunda, que para compensar a progressiva redução da tributação sobre as empresas tenham de ser os cidadãos a suportar os impostos. Note-se que, em Portugal, o total do IRS equivalia a 1,5 vezes o IRC em 2000, proporção que tinha aumentado para duas vezes em 2019.
O crescente desequilíbrio da tributação sobre as pessoas - e, em particular, sobre o trabalho - comparativamente com as empresas é algo que a direita europeia, pese embora os dados inequívocos, se tem recusado a reconhecer.
O problema é que o desequilíbrio a favor das empresas não apenas tem crescido, como continua a fazer parte das propostas políticas para o futuro. Veja-se, por exemplo, a proposta de redução de impostos do PSD. Enquanto propõe uma redução de 800 milhões de euros no IRS, 6% relativamente a 2019, propõe-se baixar o IRC em quase 20% no mesmo período.
Ao mesmo tempo que se prepara a implementação do acordo fiscal global que visa travar a corrida para o fundo e restabelecer alguma equidade fiscal, o PSD mostra que não percebe o que se passa na Europa e no mundo, com uma proposta ineficaz e profundamente injusta.
18 VALORES
David-Maria Sassoli
O Parlamento Europeu perdeu o seu presidente e a Europa perdeu um dos seus bons. Amigo, europeísta convicto, homem notável e comprometido com os valores fundamentais, David Sassoli lutou, mas não resistiu à doença. Deixou-nos aos 65 anos e vai fazer muita falta.
Eurodeputado