A democraciados milhões

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Para onde caminharão os Estados Unidos? Uma oligarquia bilionária reunida à volta de Trump assumiu, politicamente, os destinos da maior potência mundial.

Musk com os seus 450 mil milhões de dólares, Zuckerberg, cristão novo recém-chegado ao trumpismo, Bezzos da Amazon, Cook da Apple, Zi Chew do TikTok. Se José Afonso fosse vivo conheceria os novos senhores do universo todo, mandadores sem lei. São os novos senhores das tecnológicas. São biliões e biliões de dólares na conquista política de um país e de um povo, quiçá do Mundo. Os cifrões determinam o novo percurso político de Trump. Há novas formas de imperialismo territorial e financeiro. Que se lixem as alterações climáticas, a degradação do planeta Terra provocado pelo consumo de combustíveis fósseis.

Há ainda “muito ouro líquido” debaixo da América e Trump não hesita um milímetro em querer continuar a exploração de combustíveis fósseis. A palavra de ordem é “todos para o Ártico e em força”. Não importa se no amanhã que nos espera a camada de permafrost que cobre 25 por cento da Terra se desfaça e invada a zona superior da atmosfera com três vezes mais quantidade de CO2 do que aquela que existe, atualmente, no ar. As imagens de Los Angeles a arder já passaram, já ninguém se lembra disso.

Há no discurso trumpista novas formas de imperialismo norte-americano. Imperialismo territorial e financeiro, na desejo da reconquista do canal do Panamá, no controlo do Golfo do México onde, futuramente, serão construídos novos portos que podem vir a receber navios com a capacidade para transporte de cerca de milhão e meio de contentores por ano e onde vão poder aportar novos petroleiros com possibilidade” de transporte de mais de dois milhões de barris.

No seu exercício imperialista Trump lança o olho militar à Gronelândia. A nova era dourada dos Estados Unidos vai construir-se com os metais raros existentes naquela “terra de ninguém” administrada pela Dinamarca.

O Golfo do México, o Canal do Panamá, a Gronelândia são nova formas de imperialismo “próximo de casa”, ali mesmo “à mão de semear”, na lógica financeira de Trump.

O que resta afinal do exercício democrático nos Estados Unidos? Que dizer de uma democracia onde o mais rico do mundo sorteia cheques de um milhão de dólares por apoiantes e votantes em Trump! A que distância fica a simplicidade da colocação na urna de um discreto voto de um cidadão incógnito e humilde. O que resta do igualitário e silencioso gesto da escolha democrática dos cidadãos norte-americanos, encurralados pela influência das redes sociais e a ditadura do algoritmo? O que fica da democracia nos Estados Unidos?

A cerimónia da tomada de posse de Trump foi um espetáculo piroso de novo-riquismo. The show must go on, no de que pior a América democrática tem. Esqueçam lá os sem-abrigo de São Francisco. Esqueçam, também, os 40 milhões de pobres que há nos Estados Unidos. Embebedam-se na continuidade das imagens televisivas de luz e cor e nos gestos enigmáticos de Elon Musk a fazer lembrar a saudação nazi, enquanto saltita, alarvemente, na perspetiva da colocação de um Dodge em Marte, transportado pelos foguetões que lhe dão milhões de dólares.

Na posse, a figura principal assume-se como um Deus na Terra. Trump encarna a sua condição divina com o único objetivo de salvar a América. Deus poupou-lhe a vida em Butler, na Pensilvânia, para que ele cumpra o seu destino sagrado de salvar a América. Trump jura uma Constituição que já violou, anteriormente, com o incentivo que deu no ataque ao Capitólio e com a ordem executiva que determina, agora, o perdão a todos os que participaram na invasão do Capitólio, uma das casas de democracia norte-americana.

Que dizer de tudo isto? Como classificar esta retrocesso civilizacional se Trump conseguir executar o percurso político a que se propõe. Onde fica a decência humana? Como fica o Mundo quando a maior potência mundial abandona a Organização Mundial de Saúde, manda às urtigas o Acordo de Paris incentivando ao drill, baby ,drill, lança taxas aos desbarato marimbando-se para os equilíbrios do comércio mundial, ignora o mínimo sinal de compaixão humana ao retirar, inconstitucionalmente, a cidadania norte-americana aos filhos de imigrantes ilegais, mas que já nasceram nos Estados Unidos?

Pouco resta de sensatez e seriedade política no projeto de Trump. Os Estados Unidos reencontram-se, agora, com o que de pior há na condição humana. Desfaçatez, mentira, ilusão, arrogância, falsas promessas, violência psíquica, egoísmo, ignorância. Bem-vindos à democracia dos milhões.

Jornalista

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