A democracia não está suspensa, a economia também não
Ainda estamos a sofrer as consequências de uma crise sanitária, a que se seguiu uma crise económica, e agora só nos faltava uma crise política. Numa altura em que se perspetiva uma nova vaga de covid-19, este "triângulo das Bermudas" era tudo o que não queríamos e tudo o que não precisávamos.
O chumbo do Orçamento do Estado (OE) para 2022 levou o Presidente da República a enveredar pelo caminho da dissolução do Parlamento, o que significa invariavelmente que iremos ter eleições antecipadas, já marcadas para o próximo dia 30 de janeiro. Como consequência, arriscamo-nos a só ter um novo Orçamento do Estado em junho de 2022, com governação em duodécimos até maio de 2022 e todos os inconvenientes que uma situação de governação sem OE acarreta.
Até mesmo o comum dos mortais perceciona o cenário de eleições antecipadas como negativo, com 54% dos inquiridos, contra apenas 33%, de acordo com uma sondagem da Aximage para TSF-JN-DN.
Ninguém tem dúvidas de que a estabilidade política é boa para a economia e para o investimento e que a instabilidade política provoca, naturalmente, o efeito contrário. Apesar de a crise ser eminentemente política, e não económica, ela tenderá a refletir-se negativamente em diversas variáveis macroeconómicas, como o crescimento do PIB, o investimento privado e a inflação.
Numa fase em que o país se encontrava em vias de recuperação após um longo período de prejuízos económicos, devemos agora estar atentos e tentar minimizar o impacto que uma crise política e o chumbo do OE para 2022 poderão ter na retoma do turismo. Nesta atividade, em que Portugal beneficia de uma vantagem competitiva, é importante reforçar a nossa posição face aos países concorrentes, nomeadamente ao nível da promoção externa, e não permitir que a crise política impeça a disponibilização de incentivos financeiros ao investimento e à recuperação das empresas.
Por outro lado, tenho também fundados receios quanto às consequências que toda esta situação terá na execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e também no Plano Reativar o Turismo | Construir o Futuro, que prevê medidas essenciais de financiamento das empresas, de promoção externa e interna de Portugal e de investimento em inovação e em sustentabilidade, mas, sinceramente, espero que estas matérias não sejam afetadas. Porém, sabemos bem que, mesmo fora de qualquer situação de crise, é já conhecida a baixa execução dos planos por parte dos sucessivos governos.
Há não muito tempo apontávamos 2022 como sendo um ano extremamente importante e aquele que poderia marcar a retoma e a recuperação das nossas empresas até aos níveis de faturação pré-pandemia. Tudo isto parece agora comprometido e postergado para 2023, quer pela mais que provável chegada de nova(s) vaga(s), quer por toda esta instabilidade política.
Olhando para um futuro próximo, em teoria, toda esta situação tenderia a normalizar após a realização das eleições a 30 de janeiro. Porém, nem isso me deixa mais tranquila, e isto porque qualquer partido que venha a ser eleito para formar governo dificilmente o fará com maioria absoluta, o que nos poderá colocar novamente no ponto de partida. Mas teremos de aguardar para ver.
Muito importante e desejável é que o próximo governo, qualquer que seja, promova as reformas que são necessárias ao país e assegure o crescimento da economia. Para prosseguirmos a recuperação da atividade turística, as empresas têm de estar preparadas, e sobretudo capitalizadas, para fazerem face aos desafios que terão de enfrentar, e para isso há medidas fundamentais de capitalização das empresas e instrumentos financeiros que não saíram do papel e que devem ser prioridade absoluta desse governo.
Com Orçamento ou sem Orçamento, sem duodécimos ou com duodécimos, a economia, essa, não pode parar.
Secretária-geral da AHRESP.