A Democracia na Europa precisa de uma catarse

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Quando, no dia 9 de maio de 1950, o então ministro dos Negócios Estrangeiros da França, Robert Schuman, fez a sua famosa Declaração, onde propôs que a produção do carvão e do aço da França e da Alemanha, e de outros países que o desejassem, fossem colocadas sob a gestão de uma entidade independente, estava a lançar as bases do que é hoje a União Europeia. Um mecanismo de cooperação supranacional que integra a gestão dos interesses comuns dos Estados-membros para garantir a paz, a democracia e o crescimento económico no continente.

De lá para cá, a História da Europa é conhecida. Com avanços ambiciosos e recuos prudentes, momentos inspirados e outros deprimentes, a cooperação supranacional que Schuman desejava ultrapassou a França e a Alemanha e estende-se hoje das margens do Atlântico às fronteiras da Rússia, e do Mar do Norte ao Mediterrâneo, e a União Europeia tem sido instrumental no progresso de 27 países e quase 450 milhões de pessoas e a contribuir para o desenvolvimento de outras regiões do globo.

Na sua Declaração, Schuman frisou que “a Europa (…) construir-se-á através de realizações concretas que criarão, antes de mais, uma solidariedade de facto”. Ou seja, a Europa só terá sucesso se for vista pelas pessoas como um instrumento capaz de dar respostas aos seus anseios, desejos e sonhos. Se for capaz de apresentar “realizações concretas” que criem “uma solidariedade de facto”.

Passados 74 anos sobre a Declaração Schuman, o presente e o futuro coloca-nos enormes desafios. Só considerando o séc. XXI, vimos o modelo de cooperação multilateral do pós-Guerra Fria desaparecer nos escombros das Torres Gémeas em Nova Iorque no dia 11 de Setembro de 2001, atravessámos a crise financeira mundial de 2008 - que em Portugal se estendeu até 2014 -, em 2020 fomos todos para casa durante quase 2 anos enquanto o mundo procurava uma vacina para combater a pandemia da covid-19, em 2022 vimos a guerra regressar à Europa quando a Rússia invadiu a Ucrânia, e em 2023 o recrudescer do conflito no Médio Oriente.

Tudo isto ao mesmo tempo que enfrentamos os efeitos e consequências das alterações climáticas e da revolução digital. Não admira que as pessoas estejam aflitas e à procura de soluções para os muitos e complicados problemas que enfrentamos coletivamente!

Problemas complexos exigem respostas sérias, ponderadas, estudadas e eficazes. E no entanto, um pouco por toda a Europa, temos assistido ao crescimento de forças políticas populistas de direita ou de esquerda que estão nos Governos ou são parte de coligações parlamentares na Suécia, Finlândia, Itália, Paises Baixos, Eslovénia, Hungria e Estónia. Na França e na Alemanha a direita radical está a crescer e no Parlamento Europeu os populistas só não tem mais capacidade de influência nos destinos do União porque não são capazes de se sentar à mesma mesa.

O que leva as pessoas a optarem por soluções populistas? Em parte, porque os partidos do centro não têm sido capazes de encontrar as respostas sensatas e moderadas para os problemas complexos e difíceis que enfrentamos. Em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão… E se nada for feito, não nos espantemos quando acordarmos uma triste manhã e percebermos que sacrificámos a liberdade que temos e a igualdade que desejamos às propostas simplistas e infantis de “nós” e “eles” em que os primeiros são puros e os segundos culpados de todos os problemas no nosso bairro, na nossa cidade, país ou no mundo. 

E o que fazem os partidos moderados e sensatos perante a constatação crescente de que as soluções do costume não estão a dar as respostas que as pessoas precisam e esperam? Até agora temos sido brindados com manifestações de preocupação e alertas mais ou menos aflitos sobre os riscos do populismo, mas pouco mais do que isso. A história recente das eleições nos países da Europa e na União Europeia deveria ser suficiente para percebermos que temos de ir além das palavras.

Dois anos antes da Declaração Schuman teve lugar um grande Congresso da Europa, impulsionado por lideres políticos de todo o continente e que reuniu mais de 700 pessoas, incluindo representantes da sociedade civil, das empresas, de variadas religiões e da academia. Esse congresso permitiu discutir abertamente os desafios da Europa logo após a guerra e deu origem a um conjunto de iniciativas, entre as quais o Conselho da Europa e a União Europeia.

Embora os riscos que as nossas democracias têm pela frente sejam de natureza diferente dos que a Europa enfrentava em 1948 e 1950, temos de encontrar as respostas para os desafios com que nos batemos neste início do séc. XXI, e a incapacidade dos partidos moderados de se sentarem à volta da mesa e conversarem tem contribuído para alimentar os movimentos que negam os fundamentos das nossas democracia. 

É altura de organizarmos um novo Congresso da Europa, onde os partidos políticos da esquerda à direita democráticas, a sociedade civil, empresas e sindicatos, academia e outras organizações moderadas e sensatas possam procurar soluções para os problemas complexos que enfrentamos coletivamente. Como estamos não podemos continuar.

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