A continuação de uma tragédia

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Uma das melhores caricaturas que circulou recentemente nas redes sociais apresentava cinco, em vez dos quatro habituais cavaleiros do apocalipse, em que um dos cavaleiros originais perguntava "E tu quem és...?" Ao que o quinto responde "A desinformação".

Usar a desinformação como arma não é nada de novo, mas, a menos que seja abordada a verdade, a desinformação consegue acrescentar um insulto à injúria. A saber, por ocasião do aniversário da "Operação Tempestade", dois artigos foram publicados no vosso prestigiado jornal: o primeiro, da autoria do Senhor Major-General Carlos Branco (doravante Major-General), intitulava-se "Krajina 1995: um genocídio varrido para debaixo do tapete?", e o segundo, da Embaixadora da Croácia em Portugal, Senhora Anita Tršić (doravante Embaixadora), intitulava-se "Croácia celebra o Dia de Ação de Graças da Vitória e da Pátria e o Dia dos Defensores". Aos factos apresentados pelo Major-General, a Embaixadora retorquiu: "Rejeitamos as acusações". Colocando toda a honestidade de lado, essa é uma postura muito eficaz, pois a Embaixadora é uma grande advogada e, como tal, sabe exatamente o que significa REJEITAR. Significa que os argumentos pró e contra não são tidos em consideração, nem confrontados com os factos concretos. Consequentemente, por razões formais, a essência do assunto não é alvo de discussão. Esta é, na realidade, uma boa táctica para tentar evitar a discussão em torno da essência do assunto, pois a verdade não se encaixa na falsa abordagem em torno da "Operação Tempestade".

A Embaixadora simplesmente não menciona o verdadeiro facto histórico que a Croácia festeja a 4 de Agosto, o dia da "Operação Tempestade". E o facto comemorativo daquele dia é que, em 1995, a Croácia matou e expulsou OS SEUS PRÓPRIOS CIDADÃOS por serem Cristãos Ortodoxos sérvios, os quais foram apagados da nova Constituição croata de 1990 como um dos povos constituintes da Croácia, status que lhes fora garantido pela primeira Constituição da Croácia, redigida pelos Partidários (sob a liderança de J.B. Tito) e adoptada a 9 de Maio de 1944, portanto, antes do final da II Guerra Mundial. Esta foi uma forma de assegurar que não voltariam a experienciar o genocídio ocorrido desde 1941, quando o primeiro Estado (nazista) croata foi criado. Este status foi ininterruptamente assegurado em todas as Constituições croatas posteriores. Coloca-se uma questão: por que razão foram os sérvios expulsos quase meio século depois?

Portanto, o Dia em que se comemora a "Operação Tempestade" nada tem a ver com Slobodan Milosević, a quem a Embaixadora culpa (por tudo), estando, na verdade, directamente relacionado com o ex-Presidente Franjo Tudjman, o qual declarou num

grande comício em Zagreb, a 24 de Maio de 1992: "Não haveria guerra se desistíssemos do objectivo de criar um Estado independente e soberano da Croácia"!

O orgulho do Presidente Tudjman em receber o crédito pela guerra apresenta-se como uma sequela da geopolítica do pós-Segunda Guerra Mundial, quando os croatas retomam os símbolos do seu primeiro Estado, adoptados décadas atrás, durante a II Guerra Mundial, os quais são idênticos ou irresistivelmente reminiscentes aos do regime nazi (saudação, bandeira, discurso público...), sob o qual pais e mães, avós e parentes dos sérvios que ali viviam foram mortos. Estando na região desde a Idade Média, na época do Império Austríaco (mesmo antes da criação da Áustria-Hungria) defenderam a monarquia dos Habsburgos da jihad otomana (o que aliás fizeram com sucesso durante séculos), e procurando a plena autonomia, os sérvios recusaram-se a aceitar a privação total dos seus direitos civis.

É importante notar que o nome do primeiro Estado nazi croata, sob cuja liderança o genocídio foi cometido, era Estado Independente da Croácia. Mais, durante uma reunião governamental chefiada pelo Presidente Tudjman, a qual decorreu em Brioni, a 31 de Julho de 1995, poucos dias antes da "Operação Tempestade", o Presidente Tudjman, à semelhança dos seus heróis nazis, propôs "uma solução final". O seguinte trecho foi extraído da acta da reunião - o Presidente Tudjman afirmou: "Para solucionar, como resolver? É esse o tópico da reunião de hoje. (...) Devemos infligir tais golpes que farão com que os sérvios praticamente desapareçam".

A melhor prova da estratégia de fuga da Embaixadora, recusando-se a entrar na essência do problema do dia de celebração da "Operação Tempestade", é a alusão ao "genocídio de Srebrenica", que nada tem a ver com o assunto em discussão. No entanto, uma vez que esta questão foi levantada, deve afirmar-se que a ciência moderna desmascarou completamente a qualificação dos efeitos da guerra em Srebrenica como "genocídio de Srebrenica". Nesse sentido, o recentemente publicado relatório da Comissão Internacional Independente, presidido pelo maior especialista mundial em genocídio, o Professor israelense Dr. Gideon Greif qualifica Srebrenica como um crime, mas definitivamente não como um genocídio.

A Embaixadora considera a "Operação Tempestade" como uma "excelente" acção militar, mas, ainda assim, afirma: "... infelizmente foram cometidos crimes contra civis sérvios que não deveriam ter acontecido durante a defesa do país...". O leitor estrangeiro ficará certamente confundido com o termo "civis sérvios", mas este refere-se à execução de idosos, mulheres e crianças pelo exército croata, descendentes daqueles que defenderam a Europa da jihad islâmica naquele território na Idade Média - não foram os croatas, mas os sérvios. Mas o mais terrível e o que revela que esses crimes não foram acidentais, foram os assassinatos planeados de civis (incluindo mulheres, crianças e idosos) que se deslocavam em tratores para a República Srpska (parte da Bósnia e Herzegovina) e para a

Sérvia, usando metralhadoras em aviões croatas, após o que, imediatamente, o exército e a polícia croatas lavaram o vermelho do sangue do asfalto das estradas com mangueiras de camiões cisterna - na altura alguns dos meus colegas croatas ligaram-me, correndo o risco de escuta telefónica, expressando o seu descontentamento com esta sua liderança política.

Ao contrário dos sérvios - incluindo os sérvios da Croácia -, os croatas estiveram do lado errado da história em ambas as guerras mundiais e tentam agora branquear a sua história. A nossa região tem passado por muitas dificuldades, mas comemorar este Dia com tal gáudio e entusiasmo, 26 anos após a sua ocorrência, consegue realmente acrescentar um insulto à injúria.

Embaixador da Sérvia

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