A colonização da palavra
Leio numa reportagem que, à medida que a Inteligência Artificial toma conta de trabalhos académicos e relatórios de empresas, com o avanço das linguagens artificiais generativas, crescem também movimentos de resistência a esta uniformização discursiva em curso, por jovens e adultos preocupados com os efeitos da dependência do ChatGPT, DeepSeek e afins na sua capacidade mental e criativa. Em última instância, preocupados com os efeitos perversos de abdicar da sua liberdade discursiva em favor da automação da linguagem promovida pelas grandes corporações tecnológicas.
Sobre o mesmo assunto, num artigo publicado no jornal francês Libération, o filósofo espanhol Paul B. Preciado urge-nos a agir: “Refusons de nourrir la bête ChatGPT”. Recusemo-nos a alimentar a besta ChatGPT, apela, denunciando a captura da linguagem pelas grandes empresas tecnológicas e também pela direita radical, e alertando precisamente para o risco de eliminação da diversidade linguística, num processo que, sublinha, ameaça transformar as palavras, antes instrumentos de emancipação, em ferramentas de controlo e opressão.
A palavra (falada, escrita, cantada…) sempre foi considerada uma das mais poderosas “armas”, motivando censuras, proibições, perseguições, hoje o que está em curso é algo muito mais sofisticado. Como alerta Preciado, a linguagem, “o mais abstrato dos bens comuns”, arrisca ser colonizada pelas plataformas de linguagens artificiais generativas que impõem uma espécie de nova gramática universal, num novo tipo de colonização que mina a liberdade de pensar, de criar, de resistir.
Ora, enquanto pai de uma adolescente em idade escolar este é um tema particularmente sensível nas dinâmicas educativas diárias. Claro que o ChatGPT é-lhe(s) útil para desbloquear assuntos, facilitar pesquisas, organizar informação, atalhando tempo entre tarefas, mas é fundamental que perceba(m) que a linguagem e a comunicação são os mais poderosos recursos que temos para travar as nossas lutas, defender as nossas ideias, manifestar os nossos valores. Se depositarmos acriticamente a escolha das palavras num qualquer ChatGPT, estamos a abdicar de pensar fora do que já foi dito por outros e tratado pelo algoritmo. Reproduzimos o que é estatisticamente mais provável, mesmo quando o momento exigir de nós algo novo.
Nesta grande experiência social em curso, financiada por uma elite de multimilionários tecnológicos cuja preocupação com a evolução da Humanidade parte de escrúpulos muitos duvidosos, a pergunta a fazer é simples: se a palavra é uma arma, queremos mesmo desarmar-nos e entregá-la assim, de mão beijada?