A cela e a suíte
"Nas camas dormem de dois a três, em ‘valete’, a cabeça nos pés do outro, a alternativa é dormir na ‘praia’, ou seja, no chão, mas para ir à casa de banho temos de ter cuidado para não pisar ninguém, lá, entretanto, é raro haver água, por isso, o cheiro contamina todo o ambiente, em vez de ressocializar, o sistema tortura”, contava ao DN, em 2023, Ângelo Canuto, um detido por pequeno tráfico de droga que, na cela da prisão, foi cobiçado pelo Primeiro Comando da Capital, maior organização criminosa do Brasil.
Canuto é a ilustração de um levantamento do Conselho Nacional de Justiça, divulgado pela edição de domingo do jornal Folha de S. Paulo: 378 mil dos 909 mil presos do Brasil estão condenados por tráfico de drogas e 110 mil deles não têm antecedentes, nem ligação a organizações criminosas. Uma vez detidos, porém, tornam-se mão de obra barata dessas organizações.
No total, aqueles 909 mil presos no Brasil, mais 6,7% do que em 2023, formam a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos muito mais populosos EUA, líderes da tabela, e China, vice-líder. Dados de 2021, por sua vez, mostram que as penitenciárias do país, como as 17 pelas quais Canuto foi passando, estão 54,9% acima da capacidade.
Contribui para esse excesso, segundo o Anuário de Segurança Pública de 2024, os mais de 200 mil detidos, acima de 20% do total, que aguardam julgamento em celas sobrelotadas.
A morosidade da justiça, o excesso de presos, o fracasso da ressocialização e as condições sub-humanas das cadeias não significam, entretanto, que não haja gente que mereça estar atrás das grades.
Como Collor de Mello, presidente de 1990 a 1992. Enquanto senador, Collor utilizou a influência política para ajudar ilegalmente a fechar contratos de construção de bases de distribuição de combustíveis por uma empresa amiga em troca de 20 milhões de reais, descobriu a polícia, acusou o ministério público e julgou o Supremo.
Condenado a oito anos e 10 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, Collor não mereceria, como nenhum ser humano merecerá, ser enfiado numa cela como aquelas que Canuto descreve. Pois descanse o leitor, não será. A defesa do antigo presidente apresentou 130 exames médicos ao tribunal a provar que o seu cliente sofre de Parkinson, desde 2019, além de privação crónica de sono e transtorno bipolar.
Desse modo, vai cumprir a pena no apartamento duplex do 6.º andar do Edifício Chateau Larousse, na Avenida Álvaro Otacílio, em Maceió, de frente para o Oceano Atlântico. Em vez da crónica falta de água das prisões, terá direito a piscina privativa com bar e, em vez de dormir no “valete” ou na “praia”, poderá escolher uma de quatro suítes.
Além disso, há varanda, escritório, galeria, sala de estar, rouparia, despensa, copa, cozinha, área de serviço, depósito e quarto para a empregada no imóvel de luxo que Collor comprou com o produto dos desvios que o levaram à “prisão”.
Jornalista, correspondente em São Paulo