A candonga das armas

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Ano e meio depois da invasão da Ucrânia, quem ganhará a guerra ainda é uma incógnita, mas já sabemos quem, na linha da frente, está a ganhar com ela. As 10 maiores empresas de armamento, americanas e europeias, aumentaram o volume de negócios em 7,5% no último trimestre de 2022, período em que o impacto do conflito já começava a ser apreciado na demonstração de resultados, convertidos em lucro.

Já lá vão os anos em que a Europa adormeceu em paz e reduziu os seus orçamentos de defesa. Na última década, o conjunto dos países europeus aumentou os investimentos militares em 30%, tendência que começou após a anexação da Crimeia e se acentuou com a guerra em solo ucraniano, estimulando a despesa militar em todo o Continente a um nível nunca visto desde a Guerra Fria, apesar da inflação crescente e dos custos associados à crise energética. Os últimos dados publicados pelo Stockholm International Peace Research Institute (Sipri) revelam um aumento em mais de 350.000 milhões de euros, o nível mais alto desde o final dos anos 1980.

A maré está-lhes de feição e prenuncia um futuro promissor para a indústria de armamento. Só a Ucrânia consome mais de 10.000 projéteis de artilharia por dia -- 400.000 por mês, de acordo com seu ministro da Defesa, Oleksii Reznikov -- e as fábricas ocidentais não chegam para as encomendas. Tudo o que vai sair das linhas de produção a médio prazo já está vendido. As 900.000 munições de 155 mm entregues por Washington a Kiev são equivalentes a mais de cinco anos de produção.

No meio da candonga, o mercado negro de munições transformou-se numa selva parecida com a das máscaras nos primeiros meses da pandemia. Daí que a Comissão Europeia tenha decidido repetir o esquema que aplicou com as vacinas: a compra conjunta de equipamentos no valor de 2.000 milhões, evitando que os aliados competissem entre si e incentivando ainda mais a escalada de preços, sobretudo em benefício de armamento made in USA.

Para além dos produtos de consumo rápido, como as munições, os lucros da guerra também já bafejam a grande indústria militar -- a dos navios, tanques e aviões de combate, satélites e radares, ainda que com algum atraso, uma vez que implicam contratos mais complexos e de longa execução.

O maior negócio, porém, está no efeito colateral do conflito provocado pela invasão russa: o crescimento geral dos orçamentos de defesa, que desencadeou uma autêntica corrida armamentista em quase todos os países da Europa, sobretudo na vizinhança do conflito. Alocar 2% do PIB para a defesa (meta reclamada por sucessivas administrações norte-americanas dos seus aliados europeus) deixou de ser uma meta de médio prazo para ser um ponto de partida, insiste o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg. Pelo menos 11 dos 30 países aliados já atingiram ou estão acima desse objetivo.

Portugal, no 18.º lugar da lista, ainda está longe desse compromisso, mas o orçamento do Estado para o corrente ano prevê um aumento de quase 200 milhões de euros na Defesa Nacional, face ao ano anterior. Isto, sem contar com o envio já efetuado dos três tanques Leopard e de diverso equipamento militar, que inclui espingardas G3, coletes, capacetes e granadas, tudo por conta do "apoio solidário" à Ucrânia. Descartado está o envio de aviões de caça F-16, que a coligação aliada se comprometeu agora a fornecer, mantendo-se do lado português a disponibilidade para treinar pilotos.

Jornalista

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