A brincar com o fogo (e com a água)

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O ordenamento do território é um dos principais elementos definidores de um país. Feito de forma eficiente, ajuda a maximizar os recursos, reduzir riscos e promover um desenvolvimento sustentável. Por isso, e por norma, países que investem num ordenamento territorial eficaz têm melhores condições de oferecer qualidade de vida aos seus cidadãos. Infelizmente, esse não é propriamente o caso de Portugal, onde se acumulam exemplos de mau comportamento que, ao longo de décadas, foram criando nós territoriais difíceis de desatar.

Muitos deles vêm salientados no retrato do país feito pelo Relatório do Estado do Ordenamento do Território (REOT) 2024, que esteve em consulta pública até à última sexta-feira, e de que o jornal Público deu notícia. Olhemos, por exemplo, para os municípios de Setúbal, Monchique e Odivelas: apesar de menos de 3,5% dos seus territórios serem áreas potencialmente inundáveis, mais de metade dessas áreas são já territórios artificializados, ou seja, onde coexistem habitações, espaços industriais ou outras infraestruturas edificadas. Na Golegã e em Vila Real de Santo António, mais de 30% dos edifícios clássicos estão localizados em áreas suscetíveis de inundação.

Ao todo, no país, eram mais de 26 500 os edifícios localizados nessas áreas de risco em 2021. E não se pense que é apenas uma herança de um passado longínquo - dez anos antes, em 2011, eram apenas 13 852 os edifícios naquelas áreas.

O tema das inundações é apenas um dos quatro que integram as vulnerabilidades críticas identificadas pelo relatório. Há também retratos preocupantes no que diz respeito a “incêndios rurais”, “litoral e erosão costeira” e “seca e desertificação do solo”.

Mais exemplos? Entre 2011 e 2021 houve um aumento de 4% no número de edifícios situados em regiões perigosas e muito perigosas em termos de incêndios florestais, para um total de 42 383. E a percentagem de edifícios nessas áreas era mais elevada (acima de 15%) nos municípios de Pampilhosa da Serra, Figueiró dos Vinhos, Pedrógão Grande, Oleiros e Monchique, concelhos onde lavraram alguns dos maiores incêndios que afetaram o país nos últimos anos.

Também em 2021, havia 14 131 de edifícios construídos no litoral sujeitos a riscos como “galgamento ou erosão costeira” e a pressão urbanística sobre a zona costeira até 2000 metros era superior a 50% nos municípios do Porto, Matosinhos, Vila Nova de Gaia, Loures, Lisboa, Cascais, Oeiras e Barreiro.

Numa altura em que soam alertas sobre as possíveis consequências nefastas da nova lei dos solos para o nosso (des)ordenamento territorial, este é um relatório elucidativo sobre um país que tem andado a brincar com o fogo (e com a água).

Editor do Diário de Notícias

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