A bitola que liga Portugal à Europa
O que está previsto na ferrovia portuguesa vai levar tempo a impactar a sociedade portuguesa, mas a trajetória que Pedro Nuno Santos desenhou não voltará para trás. Após a crise do subprime, no já longínquo 2016, o país constatou que o desinvestimento nos caminhos de ferro tinha superado as expectativas mais pessimistas. Em comparação com o investimento na rodovia, que colocou Portugal na linha da frente dos países europeus nesta matéria, a ferrovia foi praticamente abandonada pelos governos, colocando o país na cauda da Europa, com graves consequências para a mobilidade dos cidadãos, para o combate às alterações climáticas, mas também para a economia portuguesa, seja na perspetiva da indústria, seja no transporte de mercadorias. Hoje as expectativas são muito diferentes.
O caminho está a ser feito pausadamente, com estratégia de médio e longo prazo, e com consistência. O programa ferrovia 2020, orçamentado em mais de 2000 milhões de euros, está a ser concluído, permitindo normalizar o mapa ferroviário português com investimentos solicitados pelas populações há muitos anos, desde eletrificação de linhas, requalificação de outras ou até aquisição ou requalificação de comboios. Os corredores internacionais: Norte-Sul entre Nine e Valença concluído; Norte - Linha da Beira Baixa entre Covilhã e Guarda concluído; Norte - Linha da Beira Alta entre Pampilhosa e Guarda e Guarda em obra; Sul entre Évora e Elvas em obra.
Mas, o futuro é de reforço deste contributo. O Plano Nacional de Investimentos prevê um investimento extraordinário de mais de 8 800 milhões de euros para permitir que Portugal se equipare com o melhor que temos na Europa. Linhas de alta velocidade e ligação à Europa seja de mercadorias seja de passageiros serão uma nova realidade nos próximos anos.
Serão lançados, em 2023, os primeiros concursos para a construção da linha de alta velocidade Porto/Lisboa e adjudicados os concursos para 117 novas automotoras elétricas, assim como, o lançamento do concurso para 12 novos comboios de alta velocidade. Pela primeira vez em Portugal o governo assegurou, no caderno de encargos, que o fornecimento dos comboios exigia a construção de uma fábrica em Portugal, materializando o desígnio do comboio português!
Depois de ultrapassadas as dúvidas sobre as questões da bitola e ter sido demonstrado que era possível aproveitar carruagens e automotoras, abandonadas quase por desleixo, e que as oficinas deviam ser restauradas assim como se devia apostar na I&D para fazer de Portugal um centro de atração de investimento, o panorama do sector mudou.
As sementes estão lançadas, o financiamento está assegurado agora é preciso executar. O novo ministério das Infraestruturas tem esse papel decisivo. Executar, executar e executar. É muito importante que não se volte para trás nestas decisões.
Neste contexto, escutei com estupefação num destes dias um debate na televisão sobre o Plano Ferroviário Nacional. O último plano sério foi desenhado em 1930 e, além disso, é conhecido outro recente, durante a troika, mas não era verdadeiramente um plano para a ferrovia portuguesa, mas um ensaio para destruir o pouco que existia. Além das tentativas atabalhoadas de destruir a credibilidade do plano desenhado por este governo, muito do debate foi centrado na velha controvérsia da bitola. A confusão foi imensa e o desconhecimento do assunto foi quase atroz. Um dos protagonista era Mira Amaral que defendeu a tese que os investimentos na ferrovia padecem de um erro irreversível: estão planeados para a bitola ibérica e isso, segundo ele, provocará um isolamento do país em termos de transporte de mercadorias. Ora, é preciso desmentir isso categoricamente . Na fronteira com Espanha os dois corredores ferroviários do lado espanhol que permitem ligar a Portugal estão construídos em bitola ibérica. Caso Portugal decidisse a bitola europeia para ligar a Espanha estaria a autotransformar-se numa ilha ferroviária na Europa. De resto o país não tem um único comboio para operar bitola europeia e adquiri-lo demoraria cerca de 7 anos.
Um bocadinho mais de rigor era relevante e, já agora, algum contraditório não seria despiciendo.
Vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS