A bela Gaziantep antes de o sismo tornar o castelo em pó

Dominada pelo castelo, originalmente uma torre de vigia do tempo dos romanos, Gaziantep apresenta ao visitante um emaranhado de ruas onde se sucedem lojas que vendem sapatos, especiarias, objetos de cobre ou a inevitável baklava, o tradicional doce turco feito de massa filo, regado com mel e salpicado de pistácios." Foi assim que em outubro de 2021 descrevi nas páginas do DN a cidade que hoje está nas bocas do mundo pelas mais dramáticas razões. Muitas destas lojas terão desaparecido com o sismo que na segunda-feira abalou o sudeste da Turquia e o nordeste da Síria. E até o castelo de Gaziantep, com os seus mais de dois mil anos de história, deixou de exibir orgulhoso a bandeira turca, para se transformar, em parte, numa ruína.

Para quem, como eu, pouco mais conhecida da Turquia do que Istambul, onde passara uns dias numas férias em família, a viagem a convite do governo turco para conhecer a Anatólia e, mais especificamente, o sítio arqueológico de Karahantepe - que mostra de forma irrefutável como os homens do Neolítico passaram de caçadores-recoletores a sedentários, e que as autoridades querem agora promover como destino turístico - foi uma descoberta. Já ouvira falar de Göbeklitepe, que ,com os seus 12 mil anos, é mais antigo do que Stonehenge ou as Pirâmides e foi considerado na altura da sua descoberta, há mais de duas décadas, como o templo mais antigo do mundo. Mas a ideia da reportagem era chamar a atenção para o Projeto Tas Tepeler, ou Montes de Pedra, uma rede do Neolítico que inclui Karahantepe - "um dos achados mais importantes da humanidade", como explicava o ministro da Cultura turco ao grupo de jornalistas de todo o mundo que se juntara junto ao local das escavações.

A viagem foi também oportunidade para conhecer algumas cidades da Anatólia - Sanliurfa, segundo a lenda a terra onde o rei Nimrod mandou catapultar Abraão para uma pira funerária, mas Deus transformou o fogo em água e as brasas em peixes; Mardin, cuja cidade-velha surge em escadinha pela encosta de calcário coroada pelo castelo com mais de 3000 anos e situado mais de mil metros acima da planície circundante (com a Síria ali tão perto); e, claro, Gaziantep, habitada desde os tempos pré-históricos.

Das centenas e centenas de árvores de pistácio que ladeiam a estrada que leva à cidade até ao deslumbrante Museu do Mosaico Zeugma - onde podemos apreciar as peças encontradas na cidade Antiga de Zeugma, fundada cerca de 300 a.C. por Seleuco I Nicátor, um dos generais de Alexandre, o Grande, e que cresceu no tempo dos romanos beneficiando da sua localização privilegiada na Rota da Seda - são muitas as maravilhas de Gaziantep. Na memória de todos os que ali estiveram, ficou de certeza o olhar da Rapariga Cigana, a joia da coroa do museu, um mosaico descoberto em 1998 e que os especialistas acreditam, devido às folhas de videira e aos cachos de uva que o decoram, ser a imagem de uma ménade ou bacante, uma seguidora do deus romano do vinho, Baco.

Terra de história antiga e rica, encruzilhada de povos, civilizações e religiões, a Península da Anatólia soube reinventar-se ao longo de milénios. Agora, no ano em que a Turquia celebra o Centenário da República, esta terra que já acolheu o grande Império Otomano saberá, com certeza, erguer-se do pó em que este sismo transformou os seus edifícios e parte do seu milenar castelo. Com a preciosa ajuda de toda uma comunidade internacional que, em momentos de tragédia como este, está a mostrar que consegue esquecer velhas e novas rivalidades para se mostrar solidária com quem está a sofrer.

Jornalista

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