A batalha da Aljubarrota e a independência de Portugal

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Volta e meia comemoramos efemérides, mas há uma data que o povo português jamais deve esquecer, principalmente agora que vivenciamos tempos conturbados onde, na leitura e execução de regras e tratados internacionais, é feita tábua rasa do passado histórico, e imposta a lei da força.

Nunca é demais relembrar que foi há 640 anos, precisamente no dia 14 de Agosto de 1385, que Portugal venceu a Batalha de Aljubarrota e garantiu a independência nacional.

A partir de D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, os seus sucessores tinham sabido jogar, de forma inteligente, no tabuleiro do xadrez político dos reinos peninsulares e conseguido manter a independência de Portugal mas, após o casamento da rainha D. Beatriz com o rei D. João I de Castela, Portugal corria sérios riscos de perder a independência, porque o rei castelhano reclamava o trono português à luz da sua leitura do clausulado no contrato de casamento de Salvaterra de Magos.

Conhecedor dessas intenções, um grupo de nobres, encabeçado por D. João, Mestre de Avis, filho bastardo do rei D. Pedro I e de Teresa Lourenço, assassina o conde Andeiro, amante da rainha D. Leonor, esposa do falecido rei D. Fernando, com forte cobertura popular.

De entre a alta nobreza favorável às pretensões do rei vizinho, destacava-se a figura do assassinado não só por ser o principal apoiante daquelas pretensões mas, sobretudo, por desembargar, com a rainha D. Leonor, os assuntos mais prementes do reino.

Na sequência desse evento, incapaz de controlar o poder e de dominar a situação tumultuária que se vivia em Lisboa, a rainha, ofendida descaradamente pela eufórica e destemida arraia-miúda, que a chamava de aleivosa, vê-se obrigada a fugir para Alenquer, levando consigo os membros do seu governo.

Devido a esse comportamento inteligente da rainha, o Mestre de Avis, abandonado por muitos dos seus apoiantes iniciais, com a valorosa ajuda do povo lisboeta, com destaque para os mesteirais, depois de enfrentar e superar situações extremamente difíceis e dramáticas, é nomeado Regedor e Defensor dos Reinos de Portugal e do Algarve, conseguindo instituir um governo revolucionário na capital, sem a presença dos nobres, fazendo prevalecer a vontade e a imposição da força popular.

Em resposta, o rei de Castela, apoiado pela rainha D. Leonor e por uma parte da alta nobreza portuguesa, invade Portugal e cerca Lisboa.

Era também através da força das armas que ele queria conquistar essa cidade, sabendo que conquistada a capital, cabeça do reino, todo Portugal seria seu.

Após prolongado cerco, acompanhado de ataques esporádicos, misturados de traições, com o desânimo contagioso instalado nos defensores, por causa da persistência da fome, quando tudo parecia estar perdido, a peste, que grassava fortemente na hoste castelhana, ceifando cada vez mais vidas, obrigou o rei vizinho a levantar o cerco e a regressar ao seu país, sem nunca esquecer o seu objectivo principal, que era o de ser rei de Portugal.

Desta vez, os desígnios da natureza, ou a vontade divina, como muitos acreditavam, tinham impedido a prevalência da lei da força.

Aproveitando essa ausência, são reunidas Cortes em Coimbra, com representantes do clero, da nobreza e do povo e, em 6 de Abril de 1385, D. João, Mestre de Avis, é aclamado rei de Portugal.

É óbvio que naquelas Cortes só se encontravam presentes, os concelhos, os membros de clero e da nobreza, partidários da causa nacional e favoráveis a eleição de D. João, Mestre de Avis, como rei de Portugal.

Quanto aos hesitantes e aqueles que tinham intenções de pugnar por outro candidato, os trezentos homens armados de Nuno Álvares Pereira, ostensivamente postados no exterior, deixavam bem claro qual era a sorte que lhes estava reservada.

Face ao clausulado no tratado de casamento de Salvaterra de Magos, ao governo revolucionário imposto em Lisboa, e à eleição do novo rei em Portugal, independentemente de se saber se a razão objectiva pendia ou não para os defensores da causa da independência nacional, o certo é que a nova ordem instituída só era reconhecida nas terras onde os revolucionários tinham feito valer a sua voz por persuasão ou pela força.

Aproveitando a forte quebra anímica dos partidários do rei de Castela, provocada pela ausência real, após a eleição de novo rei em Portugal, é também pelo uso da força que os portugueses vão procurar recuperar o território que tinha tomado o partido inimigo.

O rei de Castela, desvalorizando os factos ocorridos em Coimbra e a vitoriosa ofensiva lançada pelos portugueses em Entre-Douro-e-Minho, invade novamente Portugal, com um poderoso exército, decidido a cercar e conquistar Lisboa e ser senhor de Portugal.

Ciente dessas intenções, a hoste portuguesa, em grande inferioridade numérica, ficou firmemente postada entre Leiria e Aljubarrota, disposta a interceptar o inimigo e obrigá-lo a dar batalha campal. Os seus combatentes estavam decididos a vencer ou morrer.

Não podendo evitar a batalha, por ser desprestigiante e desonroso, e para evitar que tivesse o incómodo permanente de uma hoste na sua retaguarda, o rei castelhano preferiu aproveitar a oportunidade de derrotar a concentração das forças portuguesas e consumar os seus propósitos.

É verdade que os portugueses mais excitados, partidários do rei castelhano, se precipitaram e desencadearam o ataque, deitando tudo a perder, mas os castelhanos deviam ter como estratégia romper ao meio a vanguarda portuguesa, de modo a separar a frente portuguesa em duas partes assim como desmantelar ou dissolver as duas alas de suporte lateral.

Dessa maneira, cada uma delas e metade da vanguarda portuguesa não só ficariam divididas entre a vanguarda castelhana e as alas castelhanas, como enfraquecidas na sua coesão.

E como do lado exterior das alas portuguesas o espaço de manobra era diminuto, estas, ou se sujeitariam a ser esmagadas pela própria vanguarda portuguesa, ou seriam empurradas, ou, ainda, teriam de enfrentar desordenadamente as forças castelhanas sem as poder assim suportar, dado o número de soldados que as compunham. Foi por esse motivo que os castelhanos concentraram o grosso das suas forças na vanguarda, esperando com isso desmantelar as alas.

Se esta estratégia resultasse, em vez dos castelhanos, teriam sido os portugueses escorraçados dos seus lugares e mortos um a um. E para que ela resultasse, era necessário que as alas portuguesas não tivessem tempo para se proteger com a defesa que poderiam improvisar durante a noite. Daí que o rei de Castela tenha optado por não esperar pelo dia seguinte e aceitar o desafio da batalha.

Ao contrário dos castelhanos, cuja disposição táctica dificultava e mesmo impedia a utilização das alas, os portugueses puseram extremo cuidado no

reconhecimento do terreno, nas armadilhas, nos fossos aprontados, na distribuição de efectivos e na ordenação da batalha.

Existem variadíssimas razões ou somatório delas que podem ser apontadas para compreender a vitória portuguesa na batalha de Aljubarrota, mas eu destacaria aquela que valoriza a consciência que tinham os portugueses de que naquela batalha se decidia a independência de Portugal.

Parece-me que seria um bom exercício teórico, verificar, sem pendor patriótico, qual a diferença que existe entre os actuais utilizadores da lei da força, na cena internacional, e tudo aquilo que se passou em Portugal, desde a assinatura do contrato de casamento de Salvaterra de Magos, passando pelo assassinato do conde Andeiro, até chegar à derrota castelhana em Aljubarrota.

Escreve de acordo com a antiga ortografia.

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