A banca deve fazer 'mea culpa'

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O Tribunal da Relação declarou prescritas as coimas de 225 milhões de euros que a Autoridade da Concorrência aplicou a 11 bancos, no ano passado, após ter considerado que ficou provado que, entre 2002 e 2013, existiu um “conluio” para troca de informações sobre créditos e práticas comerciais. A Relação concluiu que, tendo a maior parte dos factos ocorrido antes da entrada em vigor da Lei da Concorrência de 2012, a contraordenação prescreveu. A Autoridade da Concorrência (AdC) já anunciou que vai recorrer da decisão, notando que a Relação não lhe retirou razão, focando-se apenas na questão da prescrição.

Para a AdC, ficou demonstrado que a Caixa Geral de Depósitos, Millennium bcp, Santander Totta, BPI, Montepio, BBVA, BES (o banco “mau”, atualmente em liquidação), BIC, BPN, Crédito Agrícola e UCI terão violado a Lei da Concorrência, trocando durante anos informações sensíveis com o objetivo de afinar estratégias comerciais, possivelmente em prejuízo dos seus clientes. Mesmo que não fique demonstrado que tenha existido um cartel propriamente dito, os bancos deveriam pedir desculpas por estas práticas, porque as mesmas atentaram contra a relação de confiança que deve existir entre um banco e os seus clientes.

É muito simples de entender: enquanto clientes, todos queremos poder negociar melhores condições com o nosso banco, ou, em alternativa, mudar de instituição financeira. Mas dificilmente o poderemos fazer se os bancos estiverem articulados entre si e conhecerem as estratégias comerciais uns dos outros.

De resto, o papel dos bancos na economia é tão relevante que justifica uma atenção especial por parte dos Governos quando as coisas correm mal, como se viu na sequência da crise de 2008, com os contribuintes a serem chamados a salvar bancos em vários países ocidentais, Portugal incluído, com o argumento de que tal era necessário para evitar um efeito de contágio com impactos muito nocivos para a economia. A própria resolução do BES, em 2014, apesar de evitar ao máximo o recurso a dinheiros públicos, foi também suportada por todos os portugueses, até porque os custos com as contribuições dos bancos para o Fundo de Resolução foram passados para os clientes finais.

A banca dá muito à economia, apoia as famílias e as empresas e seria impossível termos um país desenvolvido sem este papel central que o setor financeiro tem desempenhado nas últimas décadas. Imaginemos como seria o país sem instrumentos como o crédito à habitação, o financiamento às empresas e o apoio às exportações. Seria um país miserável. E é um facto que, nos últimos anos, muito mudou na banca portuguesa, a nível de solvabilidade e robustez, bem como no que diz respeito às suas boas-práticas, pelo que os factos que estão descritos neste processo dificilmente poderiam voltar a suceder.

Longe vão os tempos da arrogância dos “príncipes do universo” que existiam na banca do início do século, antes das grandes crises financeiras, mas ainda há um caminho a fazer a este nível. Os bancos não podem cair no erro de se acharem invulneráveis ou acima da preocupação em manter a confiança dos seus clientes, para mais numa altura em que surgem novos concorrentes digitais que ameaçam substituí-los. Neste contexto, ficaria bem um mea culpa perante o país, por parte dos bancos envolvidos neste caso.

Diretor do Diário de Notícias

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