A bênção da ignorância
A propósito da notícia de que algumas escolas inflaccionavam as notas: este é um panorama que não é novo e viciou parte do sistema, chegando até a outras áreas de Ensino.
Não é uma generalização, mas é uma tendência para algumas (muitas?), escolas: a preocupação em chegar-se às “taxas de sucesso” é maior do que em ensinar segundo políticas educativas exigentes, que premeiam a responsabilidade, o esforço. Com princípios científicos e metodologias rigorosas de estudo e avaliação. Não se desenvolve o espírito crítico ou a capacidade de pensar em abstracto; o aluno não sente necessidade em esforçar-se para ser recompensado porque o facilitismo e um certo espírito de mediocridade – qual nivelar por baixo – dá-lhe o suficiente para passar. Por vezes, o professor vê-se preso na teia da pressão vinda superiormente, para apresentação de resultados consentâneos com uma taxa elevada, mascarada, porque não há muito apoio para se exigir mais e melhor do aprendente; outras, são os próprios encarregados de educação que vêem no professor o educador que o estudante não tem em casa e deveria mas, sem a verdadeira autoridade, pois nem uma repreensão está autorizado a dar. E o verbo “passar” não poderia ser mais evocativo do que acontece na realidade: os alunos “passam” pela escola, “passam” pelas turmas, “passam pelas matérias e nada lhes fica. O vocabulário estudantil nunca esteve tão diminuto; a ignorância nunca esteve tão elevada. A longa escada em caracol do declínio na exigência do saber tem vindo a descer, como se poderá atestar com a falta de cultura geral, a ignorância e a profunda dificuldade de os alunos relacionarem assuntos, objectos, dissertarem sobre ideias, concretas ou abstractas. Aliás, nem entendem o que é quer dizer “dissertem”. Estão totalmente dependentes da escrita automática (o corrector, a que a simplificação da língua, com o AO90, é um bom exemplo), para escreverem sem erros. Não conseguem dominar a escrita manual, o que se traduz por uma caligrafia de médico sem sequer sair do preparatório e fogem normalmente da matemática, porque tem números a mais. Não raciocinam, antevêem, analisam, comparam. É como se olhássemos e percebêssemos que as sinapses passaram longe dali. Porque não há tempo. Porque a burocracia que tomou conta do trabalho do professor se sobrepõe às metodologias pedagógicas. Os relatórios sem fim, as reuniões, o trabalho outrora de secretaria que ficou nas suas mãos multiplica-se e não há mais espaço para onde se deveria concentrar a atenção: no estudante. E ele é compensado de que forma? Passando. Não se promove a concorrência saudável, não se premeia o esforço. Já quase está automatizado.
Não, isto não vai correr bem. Mas enquanto se mascaram os números, estamos felizes.
Professora auxiliar da Universidade Autónoma de Lisboa e investigadora (do CIDEHUS).
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico