A atual farsa da Reforma do Estado nos EUA
Elon Musk entrou na política como quem lança uma startup, com palhaçada, populismo e uma perigosa dose de arrogância. À frente do seu autoproclamado “Departamento de Eficiência Governamental” (DOGE), prometeu cortar dois biliões de dólares do orçamento federal até 2026, mais de seis vezes o PIB português.
O discurso era sedutor: “O governo é ineficiente e eu vou resolver tudo”. Mas a realidade começou logo a desmontar a farsa. As primeiras medidas do DOGE pareciam tiradas de um manual de gestão para amadores, com cartões de compras limitados a um dólar e viagens congeladas. Só que governar não é o mesmo que gerir uma startup.
O Instituto Nacional de Saúde (NIH) foi o primeiro a rebelar-se, seguido pela Segurança Social, o FBI e o Departamento de Justiça, todos recusando ordens consideradas inviáveis. Musk alimenta o seu projeto com números distorcidos e falsas narrativas. Uma das mais escandalosas foi a alegação de que os EUA gastaram 50 milhões de dólares em preservativos para Gaza, usados para fabricar explosivos. A história era falsa, pois o financiamento destinava-se a programas de saúde sexual na província de Gaza em Moçambique.
Há ineficiências reais. O sistema de reformas dos funcionários federais ainda funciona em papel, com arquivos numa mina na Pensilvânia. Mas modernizá-lo exigiria investimento e planeamento, não despedimentos em massa. Musk optou por soluções fast-food, ao pretender substituir trabalhadores por inteligência artificial, sem plano, sem transição, nem garantias.
Mesmo que Musk eliminasse completamente esse sistema burocrático das reformas e juntamente com ele a NASA, o Departamento de Educação, o apoio humanitário externo, a rádio pública e várias outras agências, até mesmo a Defesa, continuaria a não alcançar o objetivo de cortar os dois biliões. A esmagadora maioria do orçamento federal norte-americano está dividido em duas áreas, a Saúde e a Segurança Social, setores estes que Musk e Trump prometeram não tocar.
O seu projeto não é uma reforma, é uma operação ideológica disfarçada de gestão. Corta-se na ciência, na cultura, no ambiente e na diversidade, não por necessidade orçamental, mas para agradar a uma base que vê no funcionário público o inimigo a abater. A velha narrativa do “Estado gastador” renasce com memes virais e decretos no Twitter.
Nos anos 90, a administração de Bill Clinton e Al Gore conseguiu de facto reduzir o défice com a sua estratégia de “Reinvenção da Administração Pública”. Fê-lo ouvindo os trabalhadores do Estado e racionalizando serviços. Em cinco anos, passaram de um défice de 290 mil milhões a um excedente. Foi difícil, impopular e politicamente arriscado, mas funcionou. Musk, pelo contrário, aposta em indignações virais e simplificações perigosas.
Felizmente, as instituições resistem como podem e se esta pseudo reforma ensina algo, é que a verdadeira eficiência se constrói com competência, diálogo e respeito pelo serviço público. O resto é teatro político.
Especialista em governação eletrónica