A arte do negócio
"I’m gonna make him an offer he can’t refuse.” Parece que a receita negocial do Padrinho, Don Vito Corleone, funcionou no cessar-fogo de Gaza, e que o enviado especial de Donald Trump, Steve Witkoff, desdenhado por vir do imobiliário, fez mover o que estava imóvel. Mesmo em pleno Shabbat.
Witkoff é um advogado judeu do Bronx, que conheceu e se tornou amigo de Trump no real-estate e que estava a jogar golfe com ele na Flórida, na altura do segundo atentado contra o candidato republicano.
Depois dos 15 meses de negociações da Administração democrata, com a dupla Biden-Blinken, apareceu Trump. Ao contrário do ex-vice-presidente Dick Cheney, o grande impulsionador da segunda invasão do Iraque que semeou a morte e o caos no Médio Oriente com base na mentira das “armas de destruição maciça” e da cumplicidade de Saddam Hussein com o terrorismo jihadista, Trump sempre foi contra a guerra como solução. E contra Cheney, cujo retrato ficou bem traçado no filme de Adam Mckay, Vice, e os neoconservadores, que foram e são o partido da guerra e das guerras.
Quer na Ucrânia, quer em Gaza, Trump assumiu claramente a promessa da paz. E isso foi sentido e entendido por comunidades de americanos islâmicos, como Dearborn, no Michigan, onde a maioria votou por ele em Novembro (em 2020, a mesma comunidade muçulmana tinha votado maioritariamente por Biden).
Segundo Peter Beaumont do The Guardian, Witkoff ligou de Doha, no Qatar, na sexta-feira, 10 de Janeiro, e anunciou ao gabinete de Israel que ia chegar e que queria falar com Netanyahu. Que deixasse passar o Shabbat, sugeriram-lhe. Witkoff recusou o adiamento e insistiu que o encontro fosse naquele sábado, 11 de Janeiro. E no sábado o enviado de Trump transmitiu a mensagem do presidente-eleito: que o acordo Israel-Hamas era mesmo para fechar, caso contrário, a nova Administração retirava os Estados Unidos da equação e Telavive ficaria sozinha na guerra e na paz.
Depois da reunião, tensa, segundo os media israelistas, os representantes do Egipto e da Turquia passaram ao Hamas a mensagem de Trump: que se os acordos não se fizessem por culpa do Hamas, Washington ia apoiar a política de Israel de guerra até à destruição total do movimento radical palestiniano.
Era a “proposta irrecusável” de Don Vito Corleone aplicada, em vésperas de posse, aos dois lados do conflito.
Os radicais do governo de Israel sentiram o fecho do acordo como uma derrota, uma rendição, mas resignaram-se.
Embora o plano e o projecto para o cessar-fogo fossem da Administração Biden-Blinken, o gesto que tirou as negociações do impasse parece ter sido o comentário de Trump numa conferência de imprensa em Mar-a-Largo, em 7 de Janeiro: “Hell will break out” - dissera a propósito da possibilidade de os reféns não serem libertados e de a negociação não estar fechada na altura da sua posse. E o aviso - esclareceu Steve Bannon - não era para o Hamas, mas para Netanyahu.
E, como explica n'O Padrinho Tom Hagen (Robert Duval) ao visado Jack Woltz (John Marley) (o que vai acordar com a cabeça do cavalo preferido ao lado, entre os lençóis de seda): “Mr. Corleone never asks a second favor once he’s refused the first, understood?”
Parece que aqui os visados entenderam à primeira.
Politólogo e escritor
Escreve de acordo com a antiga ortografia