A armadilha das benesses
A elite dos cidadãos portugueses passou a ser constituída por dois grupos: os jovens e os trabalhadores dos salários baixos. São estes que, na sua maioria, beneficiam de quase tudo e pagam quase nada. O mesmo é dizer: os restantes pagam quase tudo e beneficiam de quase nada
Este é um conceito que sucessivos Governos socialistas e sociais-democratas teimam em materializar, criando uma sociedade crescentemente mais injusta, na medida em que aniquila a classe média e, mais grave ainda, extingue a chama da ambição na vida, convocando uma enorme faixa da população para a armadilha da doce e preguiçosa dependência do Estado.
Muitos dirão que esta minha visão é pouco solidária. Não creio, pelas razões que passo a explicar. Esta semana, o Governo anunciou mais uma rajada de benesses - na linha do que fazia o Partido Socialista - que me deixam boquiaberto.
Agora, ser jovem (até aos 35 anos!) dá direito a chorudas isenções de IRS, IMT e imposto de selo, garantias do Estado para a entrada da casa, borlas nas propinas, ajuda na residência universitária e mais uns pozinhos. O único mérito que é exigido é o de existir e estar dentro daquele escalão etário. Nada mau!
Recordo que quando era jovem orientava a minha vida no sentido de subir na cadeia de valor. Ainda antes de entrar na universidade e, depois, ao longo dos (então) cinco anos da licenciatura, trabalhei e fiz desporto de competição, o que permitia ganhar algum dinheiro. Além disso, consegui uma bolsa de mérito da Gulbenkian. A equação era mais que simples: se faltasse ao trabalho, não recebia; se não treinasse diariamente e baixasse o desempenho desportivo, cortavam-me o subsídio; se piorasse as notas, perdia a bolsa.
Por tudo isto, os dias esticavam-se das 7.00 até às 23.00 horas. Com alegria, porque a cada tarefa cumprida, a cada nota alta e a cada podium, sentia-me inundado pela fantástica sensação de ter colocado mais um tijolo no edifício do meu futuro, de ter crescido e melhorado por via do esforço e do mérito.
O problema do novo paradigma nacional é que os jovens já não precisam de correr. Nasceram para ser ajudados. Senão emigram, vão à vida, que isto da pátria (a terra, a família e os amigos) não paga almoços.
Compreendo só até certo ponto, porque se o emprego é escasso a vida não fica fácil. Mas o que está a ser feito, em termos de políticas, não vai nem resolver, nem ajudar os jovens. Está a ser criada uma lógica que os dispensa de lutar, de criar as suas oportunidades. Forma-se, assim, uma legião de dependentes do Estado. O que acontecerá quando chegarem aos 35 anos e o IRS disparar? Vão-se embora? Ou vamos estender o “colinho” até aos 45?
Este pensamento remete-me também para a celebrada redução do IRS. Acho extraordinário que se pretenda sempre privilegiar os salários mais baixos, penalizando os mais elevados. É como condenar o sucesso, evidenciando que os papalvos são os que se esforçaram para subir na cadeia salarial. É injusto e escandaloso não manter as reduções percentuais do IRS em todos os escalões, esmagando reiteradamente aqueles que suportam, com os seus impostos, o Orçamento de Estado e as múltiplas benesses, como as novéis isenções dos jovens.
Em termos práticos, é mais um apertão na tarraxa que comprime a distância que separa o salário mínimo do salário médio, a qual, se considerado o rendimento disponível, tende perigosamente para zero.
Ao contrário do que se diz por aí, este país é para os jovens. Já o é menos para os pós-jovens, sobretudo aqueles que acreditaram no mérito e no esforço, que a cada ano são confrontados com mais uma fatura social.