A amiga lituana de Miguel Arruda

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O deputado do Chega Miguel Arruda ficou famoso como alegado ladrão de malas no Aeroporto de Lisboa. Desde Março de 2024 que iria ao aeroporto, esperava pela hora de baixo movimento e levava consigo malas escolhidas com algum critério, propriedade de passageiros que ainda não tinham chegado ao tapete. Em Janeiro, as autoridades descobrem o esquema e apreendem 12 malas, mas seguramente o nosso herói levou muitas mais. No entanto toda esta novela tem algo de muito estranho h porque escolheria Arruda correr tantos riscos para roubar vestuário usado? Porque sabia que havia valor em jogo, que conseguia monetizar essa roupa toda. E é aqui que entra a sua amiga lituana e o melhor modelo do mundo de economia circular de vestuário.

O mercado global de economia circular vale 556 bio USD em 2023 e prevê-se que atinja 1323 bio USD até 2030, um crescimento médio anual de 13.2%, nos quais o vestuário representará cerca de 15 a 20%. O conceito de economia circular é muito vasto mas a circulação de vestuário usado tornou-se numa categoria chave, graças sobretudo à proliferação de plataformas e ofertas de marca online.

Há várias plataformas no mercado mas apenas uma é rentável e já se assume como líder graças à qualidade e simplicidade do modelo oferecido a quem vende ou compra. Essa plataforma é a Vinted, uma start-up lituana fundada por Milda Mitkute e Justas Janauskas. Mitkute, então com 22 anos, encontra em 2008 numa festa Justas Janauskas, um amigo experiente em programação. Mitkute disse-lhe que estava a mudar de casa e queria limpar o armário. Duas semanas depois, lançam um site, vendem 100 peças de vestuário de Mitkute em poucos dias ... e percebem que tinham construído algo especial. Um angel investor local de renome percebe o enorme potencial e lança as rondas de investimento que permitem ao negócio atingir rapidamente o estatuto de unicórnio. Batizado Vinted, o negócio dispara à conquista de mercados externos. “A nossa missão é fazer da segunda mão a primeira escolha a nível mundial. Imaginamos um mundo onde todo o consumo seja sustentável” diz Janauskas “ E para isso temos um slogan simples e directo “ Don’t wear it ? Sell it !”

Hoje, a Vinted emprega 1,800 pessoas, cobre 20 mercados (incluindo Portugal) e tem 105 milhões de utilizadores registados. Em 2023 faturou 596 mio€ (67% acima de 2022) e atingiu um lucro de 17,8 mio€, o que a torna a única plataforma rentável do mercado. No mesmo ano, a principal concorrente Vestiaire Collective teve 157 mio€ de receitas e um EBITDA negativo de 77 mio€. Os números são claros - o posicionamento e o modelo de negócio da Vinted e a sua popularidade está anos à frente de todas as outras plataformas.

O crescente apetite do consumidor em ter artigos de qualidade a preços que passam a ser acessíveis e a sensibilidade de contribuir para a sustentabilidade são fatores decisivos que vão continuar a impulsionar o forte crescimento deste negócio. Estima-se que 73% de todo o vestuário fabricado a nível mundial acaba em aterros ou é incinerado, uma pressão ambiental intolerável. E há já um ano que o Parlamento francês impôs limites e regras à importação de vestuário barato para reduzir o impacto ambiental gerado com o descarte destes artigos no fim do seu uso.

A Vinted não pode por si só quebrar o garrote da indústria, mas é um começo. “A jornada de fazer da segunda mão a primeira escolha ainda está nos seus primórdios”, diz Adam Jay, CEO da Vinted Marketplace “Ainda é uma proporção muito pequena do consumo geral. Isso é o que me mantém acordado à noite, é isso que me motiva.”

Graças à sua capacidade de penetração, simplicidade e anonimidade, a Vinted é hoje a plataforma perfeita para qualquer pessoa despachar rapidamente dezenas de artigos de vestuário. Por isso, segundo a Sábado, não é surpresa nenhuma que em Maio de 2024 a Vinted receba a abertura de uma nova conta de utilizador: miguelarruda84. E é nesse mesmo mês que este utilizador começa a escoar artigos para a plataforma, colocando ao longo de meses centenas de peças de vestuário com descontos brutais: camisolas Boss a cinco euros, calças Cortefiel a sete euros, calças Benetton a um euro e uma panóplia de outras marcas, como Primark e Zara, quase tudo a um euro. Miguel Arruda não podia ter feito o que alegadamente fez se não houvesse uma Vinted: nenhuma outra solução lhe garantia o escoamento das peças roubadas com a mesma eficácia, velocidade e segurança.

E é afinal neste contexto de excelente serviço ao cliente que a Vinted lidera a concretização do potencial de revolução no comércio de vestuário. As suas vantagens competitivas distintivas e os resultados obtidos demonstram que os seus fundadores criaram sem dúvida o melhor modelo do mercado. E a alegada escolha de Miguel Arruda para seu cúmplice no escoamento do conteúdo das suas famosas malas não podia ter sido a melhor - apesar de ter sido apanhado, o esquema nunca teria funcionado tanto tempo e tão bem se não fosse a preciosa “ajuda” da sua amiga lituana Milda Mitkute.

Empresário, gestor e consultor

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