A Alemanha e a dissuasão nuclear europeia

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A vitória da CDU nas eleições alemãs vai ter implicações a vários níveis, incluindo no que diz respeito à cooperação entre os países europeus no domínio da Defesa. O novo chanceler, Friedrich Merz, defende, entre outras coisas, que a dissuasão nuclear francesa seja partilhada com os outros Estados-membros da União Europeia, indo ao encontro de uma proposta que Paris tem colocado em cima da mesa nos últimos anos, mas que a Alemanha sempre deixou sem resposta. Merz está também aberto a um acordo semelhante com o Reino Unido, sendo que, neste caso, o processo poderá ser mais complexo, uma vez que o programa nuclear britânico é desenvolvido no quadro da aliança com os Estados Unidos.

Em conjunto, o Reino Unido e a França têm tantas armas nucleares como a China, pelo que um acordo desta natureza permitiria criar uma dissuasão europeia credível, numa altura em que já se tornou claro, tanto para aliados como para potenciais adversários, que já não existe a proteção incondicional que Washington assegurou durante quase 80 anos.

“Temos de nos preparar para a possibilidade de Donald Trump não manter o compromisso de Defesa mútua incondicional”, disse Merz numa entrevista recente, citado pelo Político. “É por isso que, na minha opinião, é crucial que os europeus façam o máximo de esforços para assegurar que somos capazes de, pelo menos, defender sozinhos o nosso continente”, acrescentou. “Temos de ter discussões sérias com os britânicos e os franceses sobre a partilha de armas nucleares, ou pelo menos saber se a segurança nuclear do Reino Unido e da França se pode aplicar também a nós”, disse ainda Merz.

O novo chanceler está igualmente aberto à emissão de eurobonds para financiar a Defesa da União Europeia.

Porém, esta realidade traz vários desafios. Numa Europa ideal, onde não existissem rivalidades entre países, a Alemanha ficaria contente por simplesmente pagar para ficar sob a proteção francesa. Porém, estará Berlim disposta a entregar à França essa liderança indiscutível, contribuindo financeiramente para a modernização e expansão do guarda-chuva nuclear francês, mas sem partilhar o comando e sem ter acesso à sua tecnologia?

A alternativa seria a França aceitar fazer essas cedências, mas esta hipótese também não será de fácil concretização, não só porque significaria abdicar de uma das poucas vantagens competitivas que Paris ainda tem no plano geopolítico, mas também porque seria difícil de explicar ao eleitorado francês, para mais numa altura em que a extrema-direita antieuropeísta tem ganhado força.

Face a isto, um cenário provável poderá ser uma Europa a duas velocidades também no que diz respeito à dissuasão nuclear, com os alemães a investirem num programa nuclear próprio, eventualmente em parceria com outros países, incluindo Portugal. Desta forma, poderemos estar a assistir ao início de um fenómeno perigoso, que será a eventual proliferação de armas nucleares na Europa (e não só), à medida que uns EUA isolacionistas colocam em causa a ordem criada no pós-guerra. Mas haverá alternativa?

Diretor do Diário de Notícias

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