A ‘agitprop’ do Chega

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O sucesso do Chega tem uma explicação singela. Ao longo dos seis anos da sua afirmação, foi-se acentuando, na população portuguesa, a ideia de que as coisas tinham de mudar. Todos os cidadãos, sobretudo os mais desfavorecidos, sentiam a necessidade de mudança. Mudar sim, mas sem se interiorizar muito bem para onde e para quê! Mudar o quê? Mudar como? Mudar com que instrumentos? Não há uma resposta concreta para estas perguntas. Tavez possa, simplesmente, dizer-se que, durante os anos de afirmação do Chega, a vida das pessoas piorou, sem respostas adequadas dos partidos que tinham a responsabilidade de gerir o país.

Claro que André Ventura teve a mestria e a inteligência, de um modo oportunista, de cavalgar esta onda de descontentamento que, aliás, se estende um pouco pela Europa e pelo mundo num crescimento de forças populistas que tudo criticam, mas que, como se diz em bom português, verdadeiramente, ainda “ não puseram a mão na massa”. Ninguém ainda percecionou como será a prática dos partidos populistas na resolução dos problemas sociais, ambientais, geoestratégicos que, atualmente, afligem as sociedades em diferentes geografias.

Por cá, o Chega foi crescendo até ocupar o segundo lugar na hierarquia parlamentar. Tem agora 60 deputados no Parlamento português. É, oficialmente, o principal partido da oposição. Ao longo dos tempos de afirmação de André Ventura, o partido foi crescendo através de uma estratégia errada do PS. Os socialistas escolheram alianças à esquerda, antagonizaram-se, sistematicamente, com o PSD, atacando a direita mais moderada e deixaram o campo livre ao Chega para o seu projecto de afirmação populista. O PS deixou livre o centro político e permitiu que o Chega conquistasse uma população que, habitualmente, se situa nesta área política.

Com o projecto da geringonça, o Chega conquistou largas margens de portugueses que, habitualmente, votavam no Partido Comunista, cujos militantes constataram que os apoios que deram aos governos de António Costa para nada serviram. Estava consumado o abraço do urso!

André Ventura aproveitou bem todas as oportunidades mediáticas que a comunicação social lhe foi dando ao longo dos anos. Por tudo e por nada, o Chega estava nas televisões, fosse na boca de comentadores sempre, excessivamente, preocupados em “entalar” o Chega, fosse na gritaria de Augusto Santos Silva lidando com Andre Ventura com um estúpido autoritarismo que apenas beneficiava o Chega, que se vitimizava e conquistava uma presença excessiva nas televisões. André Ventura percebia isso e explorou essa componente mediática até ao tutano.

Hoje, o Chega com o seu crescimento vai ter, naturalmente, uma palavra a dizer na Parlamento. E vai provocar uma profunda agitação no futuro Governo de Luís Montenegro. Uma espécie de agitprop! Os mais velhos lembram-se do termo. Agitar as massas, e espalhar a propaganda. É um pouco isso que Ventura vai fazer nos próximos tempos. O anúncio de um governo sombra alternativo a Luís Montenegro é a componente de agitação. André Ventura não vai cair no disparate de formar um governo sombra com elementos da sua bancada, cuja qualificação política e até mesmo cultural é muito fraca. Irá formar um governo sombra com figuras independentes, técnicamente bem preparadas, com prestígio na sociedade portuguesa.

Este governo sombra de Ventura com esta tipologia tecnocrática não se limitará a criticar as medidas do futuro Governo de Montenegro. O governo sombra do Chega apresentará propostas bem estruturadas, de acordo com o seu próprio ideário e que vão ao encontro dos anseios da população. Será uma permanente agitação, setorial, em cada área ministerial, com ministros sombra de Ventura a pressionarem o Executivo de Montenegro, que não terá vida fácil.

No Parlamento vai funcionar a propaganda. A habitual demagogia fácil do Chega, ataques cerrados ao que resta do Partido Socialista, um desgaste permanente ao ideário do PSD, tentando enfraquecer a bancada social-democrata.

Nestes dois eixos, de agitação junto do Governo e propaganda no Parlamento e com alguma complacência dos media André Ventura tentará partir para a última etapa do seu projecto político - tornar-se, futuramente, primeiro-ministro de Portugal. Conforme afirmou na Assembleia da República: “Esta será a última legislatura da 3.ª República.”

Agitprop, agitação e propaganda, portanto. Os eixos centrais da futura atuação do Chega que tudo fará, futuramente, para chegar ao pódio do poder.

Jornalista

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