A agitação no Ensino Superior e na ciência
Muitas notícias e comentários têm trazido a público alguma agitação entre docentes do Ensino Superior e investigadores, para nem falar dos bolseiros de investigação, que continuam a ter condições de trabalho infra-humanas. Em termos laborais, estes trabalhadores constituem, certamente, um dos grupos profissionais que mais têm sofrido, nos últimos anos, em termos de perda de poder de compra, precariedade, aumento da carga laboral, entre outros aspetos. A isto podemos juntar as relações laborais frequentes neste setor, que se caracterizam pela autocracia, endogamia, discriminação, intimidação e foram incrementadas pela aplicação do Regime Jurídico das Instituições do Ensino superior (RJIES, 2007), que rompeu com a representação democrática, o diálogo interpares e o respeito.
De acordo com o Observatório do Emprego Científico e Docente (OECD), entre 2017 e 2023, foram assinados 10 154 contratos com docentes do Ensino Superior e investigadores: 3966 são contratos com investigadores e os restantes com docentes. De todos os contratos, apenas 37,6% (pouco mais de 1/3) foram contratos por tempo indeterminado ou sem termo; em contrapartida, 1% são contratos a mais de seis anos; 13,7%, entre 3 e 6 anos; 26,4%, entre 1 e 3 anos; e 6,9%, a menos de 1 ano. Em todo o período focado, apenas 185 (cento e oitenta e cinco) foram contratos para investigadores de carreira; 1449 foram contratados ao abrigo do Estímulo ao Emprego Científico e 2057 por outros procedimentos (FCT); 275 investigadores foram contratados ao abrigo do PREVPAP, Programa de regularização de vínculos laborais precários, 2017 (muito poucos: no final de 2017, muitas escolas ofereceram, aos investigadores precários e bolseiros, uma doce nota de cessação de contrato). Entretanto, a maioria dos contratos lançados em 2017 termina este ano...
De acordo com a Pordata, em 1989 os professores do Ensino Superior podiam atingir a remuneração máxima bruta de 2180/mês; essa remuneração passou a ser de 5401/mês em 2009, e de 5465/mês, em 2022, o que significa que o salário bruto dos professores catedráticos cresceu apenas 65/mês (1%) em 13 anos. É importante frisar que só os professores catedráticos e associados pertencem aos quadros das universidades e que, em conjunto, constituíam, em 2019, apenas 20% do total de professores do ensino universitário (e só 25% eram mulheres, embora a percentagem atual de docentes do sexo feminino seja de 46,2%). De acordo com o Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU, 2009), a percentagem dos professores de quadro deveria situar-se entre os 50 e os 70%...
O índice de envelhecimento dos docentes do Ensino Superior público (quantos professores com 50 anos ou mais existem por cada 100 professores com menos de 39 anos) passou de 49,3%, em 2001, para 209,6%, em 2021 (Pordata). No mesmo período, o número total de docentes do Ensino Superior passou de 35 740 para 38 667, o que corresponde a um crescimento de 5,9%. Em contrapartida, a percentagem de cidadãos com Ensino Superior completo passou de 10,8%, em 2001, para 13,85%, em 2011, e para 19,8%, em 2021 (Censos), um crescimento de praticamente 9% em 20 anos. Fácil é entender que muito do esforço que conduziu a este magnífico crescimento terá sido levado a cabo pelos docentes do Ensino Superior e pelos investigadores maioritariamente precários e bolseiros, a quem as escolas recorrem para suprir necessidades.
Ficou surpreendido pela agitação que transpareceu nos noticiários? Talvez ande distraído.
Professora e investigadora, coordenadora do Portal da Língua Portuguesa