A ação de Portugal na UNESCO
A UNESCO, cuja 41.ª Conferência Geral se inicia hoje, é uma das realizações mais nobres da ordem internacional nascida do fim da Segunda Guerra Mundial. Parte de um princípio simples, que o preâmbulo à sua constituição enunciava assim: "Se é no espírito dos homens que nascem as guerras, é no espírito dos homens que se devem construir os baluartes da paz."
Esse "espírito" em que se devem erguer as fundações sólidas da paz e do desenvolvimento declina-se nas grandes áreas da educação, da ciência e da cultura. A UNESCO repousa, portanto, sobre a convicção de que quanto mais fizermos progredir em conjunto estas áreas - e as outras duas que lhes estão ligadas e a organização passou a cultivar: a informação e a comunicação - melhores condições teremos para coexistir uns com os outros, assegurando a paz e a segurança comum e conduzindo cada país o seu próprio desenvolvimento.
Na raiz desta convicção está o valor do conhecimento, produzido pela ciência e pela cultura, transmitido e difundido pela educação e a comunicação. Conhecer e partilhar o que conhecemos - pois, se nos conhecermos melhor uns aos outros, se conhecermos o que somos, aquilo em que acreditamos, o que vamos criando e acumulando como património e herança coletiva, se compreendermos a riqueza e o sentido de cada cultura, cada povo, cada história, respeitar-nos-emos mais uns aos outros. E perceberemos que, na pluralidade e diversidade das nossas histórias, religiões e culturas, somos, afinal de contas, todos iguais e equivalentes, formando uma só humanidade. Esta construção de uma consciência comum de humanidade a partir do conhecimento e da criação é, ao mesmo tempo, o ponto de partida e o maior contributo da UNESCO para a ordem internacional do pós-guerra.
A UNESCO tem sido muito importante para Portugal. Antes do 25 de Abril, quando a oposição ao regime salazarista a invocava para defender o combate ao analfabetismo e a promoção da escolarização universal, ou para reclamar a liberdade de pensamento, opinião e expressão. E para o Portugal democrático, que para a UNESCO nomeou a sua primeira mulher embaixadora (Maria de Lurdes Pintasilgo, em 1975), a ela recorreu para certificar a importância única das gravuras rupestres do Côa e viu-a reconhecer o 5 de maio como Dia Mundial da Língua Portuguesa.
Também temos dado um contributo relevante para a organização. Somos, pela quinta vez, membros do seu Conselho Executivo. Pertencemos ainda ao Conselho Executivo da Comissão Oceanográfica Intergovernamental e ao Comité Internacional de Bioética. O nosso recente mandato no Comité do Património Mundial foi muito apreciado. O saudoso Mário Ruivo foi secretário executivo da Comissão Oceanográfica Intergovernamental entre 1980 e 1988 e vice-presidente entre 2003 e 2007. Somos agora candidatos, pela primeira vez, ao Comité para a Salvaguarda do Património Imaterial.
A qualidade da participação portuguesa na UNESCO está crucialmente ligada à coerência, continuidade e alcance da Comissão Nacional. Muitas entidades trabalham hoje, entre nós, sob a égide da UNESCO, exatamente por via do enraizamento proporcionado pela Comissão Nacional. Temos 133 escolas, da educação básica ao ensino superior, associadas à UNESCO e já organizámos 19 encontros nacionais, para os quais são convidadas as comissões nacionais dos países de língua portuguesa.
Dispomos de 14 cátedras UNESCO e de 72 centros ou clubes UNESCO. Dezassete bens ou sítios nacionais (dos Jerónimos ao centro histórico do Porto) estão classificados como Património Mundial da Humanidade. Oito expressões culturais (como o fado ou o cante) estão inscritas como Património Imaterial e 10 documentos estão incluídos no Registo da Memória do Mundo (como, por exemplo, a Carta de Pero Vaz de Caminha). Dispomos de cinco geoparques e 12 reservas de biosfera. Nove dos nossos municípios integram a rede das cidades criativas e 14 pertencem à rede das cidades de aprendizagem.
Isto é: não só estamos presentes e ativos na UNESCO, como o espírito e o método da UNESCO estão bem ancorados entre nós.
A Conferência Geral deste ano tem, todavia, um sabor especial para Portugal. É que, mercê da iniciativa e da autoridade do embaixador António Sampaio da Nóvoa, estamos intimamente ligados aos dois resultados mais importantes.
O primeiro é a apresentação do novo relatório internacional Os Futuros da Educação, cuja equipa redatora foi coordenada por António Nóvoa. Ele sucederá aos relatórios de Edgar Faure (em 1972) e de Jacques Delors (em 1996), que, nas suas épocas, foram tão decisivos para o debate público e a revisão das políticas educativas. O segundo resultado é a aprovação da Recomendação sobre Ciência Aberta, elaborada sob proposta portuguesa, a qual passará a constituir a orientação geral para lidar com essa questão maior do nosso tempo que é a acessibilidade e o valor social do conhecimento científico.
Em paralelo, apoiamos vivamente o novo Mecanismo Mundial de Cooperação para a Educação, tendo em vista a prossecução do objetivo 4 de desenvolvimento sustentável, "garantir o acesso à educação inclusiva, de qualidade e equitativa e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos". Portugal foi escolhido para o respetivo Comité Diretor de Alto Nível, uma nova responsabilidade que assumiremos com honra e empenho.
Portugal e a UNESCO têm, pois, uma relação antiga, consolidada, frutuosa. E assim continuaremos. Porque (nunca o esqueçamos), "se é no espírito dos homens que nascem as guerras, é no espírito dos homens que se devem construir os baluartes da paz".
Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.