(4/7) O Estado falha aos cidadãos
Portugal enfrenta hoje uma crise prolongada e silenciosa no coração da sua estrutura estatal: os serviços públicos. De forma discreta mas consistente, o cidadão comum depara-se diariamente com dificuldades que colocam em causa o acesso a direitos essenciais, na saúde, educação, mobilidade, justiça e até atos administrativos simples.
Nos últimos dias, têm vindo a público exemplos preocupantes. Uma mãe, desesperada, procurou auxílio em cinco unidades hospitalares antes de perder o bebé que carregava. Noutro caso, um idoso morreu sem assistência adequada porque a Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER) se encontrava inoperacional por avaria. Casos como estes não são pontuais nem excecionais, são sintomáticos de um sistema que perdeu capacidade de resposta, planeamento e eficácia.
Na saúde, falta o essencial: condições dignas, apoio real e o básico que todos os cidadãos merecem. As urgências estão congestionadas, os tempos de espera prolongam-se sem fim, há carência de médicos de família e as equipas clínicas estão à beira da exaustão. Os investimentos anunciados pelo Governo pouco se refletem na realidade vivida pelos utentes, que frequentemente encontram portas fechadas e serviços reduzidos ao mínimo. A confiança no SNS, outrora símbolo do Estado Social, está a ser corroída, não por falta de recursos, mas pela contínua inação e desorganização estrutural.
Na educação, o problema já não é apenas a falta de professores é a ausência de oportunidades. Greves recorrentes, instalações degradadas, escassez de recursos e uma estratégia que nunca chega, compõem um cenário de instabilidade constante. Famílias e docentes vivem num ciclo de incerteza, sem respostas concretas nem horizontes promissores. Assim, não se constrói futuro, nem se garante justiça educativa às próximas gerações.
Nos transportes públicos, o cenário repete-se: atrasos crónicos, linhas encerradas, material circulante obsoleto e ausência de alternativas. A mobilidade urbana e regional, essencial à coesão social e económica, é negligenciada por políticas fragmentadas e decisões sem visão de futuro. Em vez de incentivar o uso dos transportes públicos, as falhas sistemáticas empurram os cidadãos para o transporte individual, com impacto negativo na qualidade de vida, no ambiente e na economia.
Até nas tarefas mais simples do quotidiano, como renovar um Cartão de Cidadão ou obter documentos nas conservatórias, os obstáculos são evidentes: agendamentos a meses de distância, falta de pessoal e sistemas informáticos desatualizados. A burocracia ganhou uma dimensão quase inacessível transformando-se num labirinto que afasta o cidadão do seu próprio Estado.
Este cenário não é inevitável. É o resultado de escolhas políticas erradas, de prioridades trocadas e de uma visão governativa assente na propaganda em detrimento da ação. O ciclo é conhecido: anunciam-se milhões, adiam-se projetos, repete-se o anúncio. E os problemas acumulam-se.
O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) representa uma oportunidade histórica. Contudo, a taxa de execução continua abaixo do desejável e cresce o risco de desperdiçarmos mais uma oportunidade de modernizar os serviços públicos. A perceção generalizada é que o PRR está a servir mais para equilibrar orçamentos do que para transformar estruturas ou melhorar a vida dos portugueses.
Não se exige perfeição, mas exige-se responsabilidade. Reformar o Estado não é um luxo, é uma urgência democrática. Quando falha o essencial, não se perde apenas eficácia, perde-se confiança. Os cidadãos deixam de acreditar que o Estado está ao seu lado e sentem-se abandonados.
Portugal precisa de uma administração pública que funcione, que respeite o tempo e a dignidade de quem trabalha, de quem estuda, de quem envelhece. Quando o Estado falha mesmo que de forma silenciosa, falha-se ao país. É urgente governar com seriedade, planear com ambição e servir com humildade. Os portugueses merecem melhor.
Economista e deputado à Assembleia da República