25 de Abril de 2025. O copo meio cheio e o copo meio vazio

Publicado a

O pão, a paz, saúde, educação! Esta era uma palavra de ordem, sistematicamente, repetida por organizações políticas e imortalizada na canção de Sérgio Godinho.

O que nos resta, hoje, destes objectivos sociais que eram uma das aspirações essenciais do 25 de Abril de 1974?

Podemos olhar os resultados de Abril numa perspectiva do copo meio cheio e do copo meio vazio.

Na primeira abordagem temos um país que se diferencia, hoje, pela liberdade de reunião e associação, pela existência de um imprensa livre, sindicatos que têm uma palavra a dizer na defesa dos trabalhadores, uma democracia inserida no espaço da União Europeia graças à visão política de Mário Soares que nos trouxe algum desenvolvimento económico.

Estamos melhor do que estávamos em 1974? Mal seria se não estivéssemos! Os parâmetros de hoje não se comparam com os dos longínquos 50 anos atrás.

O livro editado, recentemente, pelo Banco de Portugal Como éramos e como mudámos dá-nos conta dessa visão talvez, exageradamente, cor de rosa de como era a nossa realidade antes e depois de Abril de 1974.

Em 1974 um terço da população feminina era analfabeta. A escolaridade média das mulheres subiu de dois para treze anos desde a Revolução de Abril até aos dias de hoje.

A escolaridade era, em 1975, metade da média dos países da OCDE. Vinte e seis pessoas em cada cem não sabiam ler nem escrever. Nos dias de hoje apenas três pessoas em cada cem não sabem ler nem escrever.

Na saúde, apesar das restrições com que nos debatemos hoje, a despesa nesta área social triplicou e a mortalidade infantil é das mais baixas da União Europeia. Aliás a mortalidade geral baixou significativamente. De 38 falecimentos por cada mil habitantes em 1974 hoje há, apenas, 2,6 mortes pelos mesmos mil habitantes.

Numa outra área que faz parte do conhecido slogan de Abril de 1974, na habitação, um terço das casas não tinha electricidade e metade não tinha água canalizada. Esses valores fazem parte do copo meio cheio e em 2011 apenas 0,6 em cada cem habitantes não tinha água canalizada e 0,5 não tinha electricidade.

No nosso tecido empresarial, pilar essencial do desenvolvimento económico do país, temos, hoje, dez vezes mais empresas das que existiam em 1974. Neste ano o país tinha 44 mil empresas, hoje tem 440 mil.

Mas, é aqui que entramos no território do copo meio vazio. O que se passa com a nossa economia que não atinge os parâmetros de outros países, particularmente os antigos países do Leste Europeu que entraram para a União Europeia numa data muito posterior à nossa e estão hoje, manifestamente, mais desenvolvidos. Porque temos um salário mínimo inferior ao dos nossos vizinhos espanhóis que atinge, actualmente, os 1.184 euros? Que se passa com as nossas infraestruturas ferroviárias, envelhecidas e ineficazes quando por toda a União Europeia crescem as modernas e rápidas Redes de Alta Velocidade? Porque não resolvemos o problema da burocracia que limita e impede o investimento estrangeiro e a instalação de novas empresas internacionais no nosso país. Porque temos jovens que, sistematicamente, têm de procurar emprego no estrangeiro devido à falta de oportunidades em Portugal? Porque é que o pós 25 de Abril de 1974 não se construiu uma Justiça eficaz e rápida que prevenisse e punisse os permanentes casos de corrupção e tráfico de influências praticados, alegadamente, por banqueiros, empresários, políticos, ex-embaixadores, sindicalistas, e até mesmo elementos da máquina judicial e, pois claro, também, jornalistas?

O que se passou com o nosso percurso colectivo desde Abril de 1974 que nos conduziu a um enorme copo vazio de insuficiências, fragilidades, que nos tem impedido um crescimento económico, harmonioso, que traga prosperidade e riqueza à esmagadora maioria da população e não apenas a alguns a quem falta ética e os valores essenciais a uma vivência em comum dentro de princípios de uma sociedade justa e equilibrada, como acontece, por exemplo, nos países nórdicos.

Há, ainda, um gigantesco copo meio vazio na sociedade portuguesa. Há oportunidades perdidas, oportunismos, bloqueios, um défice cultural generalizado, um chico-espertismo, egoísta e sôfrego, que prejudica o país enquanto um todo nacional. E há, genericamente, o fracasso de alguns instituições políticas que não fizeram o trabalho que deviam ter feito, com sentido de missão, rigor, exigência. Há um virar de costas individual e um passar de culpas num permanente exercício de desresponsabilização, muito típico nalguns sectores da sociedade portuguesa. Não basta sermos exigentes para com os outros. Temos de começar por ser exigentes connosco próprios. Sem essa atitude nunca conseguiremos acabar de encher o copo meio vazio que temos, ainda, de Abril de 1974.

Jornalista

Diário de Notícias
www.dn.pt