100 dias de Governo: zero para a Defesa

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O arranque de qualquer novo ciclo político é habitualmente marcado por um conjunto de ações com as quais se pretende demonstrar como será a nova liderança. Nessa fase de arranque e afirmação, deve mostrar-se assertividade e determinação com vista a contagiar positivamente o ambiente que o rodeia, produzir uma agregação de esforços suplementar junto das equipas com as quais se trabalha e convencer os mais céticos.

Dito isto, é chegada a altura de fazer um balanço de 100 dias, nas mais diversas áreas de governação. Vejamos o arranque na área da Defesa Nacional, área liderada pelo Ministro Nuno Melo, também líder do CDS-PP.

Faremos esta análise em três eixos principais:
1.  Ao nível do conteúdo programático - com uma análise à implementação de propostas do Programa do Governo.

Neste ponto, e à semelhança do programa eleitoral da AD, o Programa do Governo na área da Defesa Nacional é uma espécie de “manta de retalhos”, com uma lista de medidas relativamente avulsas, sem estruturação político-concetual que nos permita entender de forma clara quais são os seus eixos prioritários de intervenção.

Há nitidamente uma falta de visão estratégica para o setor, mas também de compromisso com os parceiros, de medidas concretas e eficazes para resolver os grandes problemas dos militares e das Forças Armadas Portuguesas (FA).

Ao invés, temos ideias avulsas, sem reflexão e profundidade, que são veiculadas em conferências e outros eventos aqui e ali, como aconteceu com a questão do recrutamento de jovens “delinquentes” para as FA.

Na verdade, o Programa do XXIV Governo português tem apenas duas páginas com medidas genéricas, avulsas e algumas abstratas para a área da Defesa Nacional, mostrando bem o valor e o peso que a matéria tem para os nossos atuais governantes, mas também o peso que o atual Ministro da Defesa Nacional tem dentro do elenco governativo (apesar de líder de um dos partidos que compõem a AD).

O resultado a este nível foi simples: em 100 dias, zero medidas do Programa do Governo no terreno!

2.  Ao nível do contexto internacional - posicionamento entre a evolução dos cenários bélicos e os compromissos internacionais assumidos.

No que ao contexto internacional diz respeito, assistimos nos últimos meses a um intensificar da guerra na Ucrânia e no Médio Oriente, com ataques cada vez mais violentos, com escassez de recursos militares (nomeadamente na Ucrânia), com um aumento das medidas de apoio de vários países, em coordenação, muito particularmente, com a NATO e com a União Europeia.

Neste caso, duas saídas bem-intencionadas, mas com falsas partidas: a primeira no anúncio das verbas financeiras para apoiar a Ucrânia.

Um anúncio de 126 milhões de euros dos quais, depois, se veio a verificar que 100 milhões já haviam sido aprovados pelo Governo do PS, resumindo então o reforço em apenas 26 milhões. A segunda, com o anúncio de antecipação dos prazos da meta dos 2% do PIB em Defesa para 2029, sendo que a maioria dos países da NATO já acelerou este ano para cumprir a meta entre 2025 e 2027.

É motivo para saudar a clarificação que o senhor primeiro-ministro trouxe a público no âmbito da última Cimeira da NATO, ao confirmar a antecipação do cumprimento da meta dos 2% do PIB em defesa (o que não era de todo claro no Programa do Governo), mas a evolução do contexto internacional exigia, no mínimo, a meta de 2028 (em consonância com o possível fim do presente mandato legislativo).

O resultado da adaptação ao contexto internacional revela pois que a montanha pariu um rato: em 100 dias, zero capacidade de adaptação à realidade internacional.

3.  Ao nível do contexto nacional - medidas para resolver os grandes problemas reconhecidos nas FA e envolvimento com os stakeholders do setor.

A nível interno, aquilo que se exigia ao Governo nos primeiros 100 dias era uma análise aos principais desafios e problemas do setor, uma integração de visões de todos os parceiros, mas também a tomada de decisões que faria com que qualquer gestor público de nível mediano tivesse assumido posições e implementasse medidas. A verdade é que o atual Ministro da Defesa Nacional não consegue ir além do diagnóstico.

Vejamos o que fez Nuno Melo e a sua equipa sobre os grandes desafios da Defesa Nacional:

    sobre os problemas da capacidade de atração, recrutamento e retenção de militares paras as FA - ao fim de 100 dias não há sequer uma proposta em cima da mesa para ser discutida - zero;

    sobre os aumentos salariais dos militares das FA - pasme-se, anunciou há duas semanas “um anúncio para breve”, sendo que, com as Forças de Segurança e outros setores da Administração Pública, o Governo já tomou uma decisão - zero;

    sobre a potencialização da Indústria da Defesa Nacional - abriu um inquérito aos licenciamentos do anterior Governo, mais preocupado com os esqueletos no armário do que em criar medidas estruturais para a área - zero;

     sobre a valorização e envolvimento das estruturas associativas da Defesa Nacional - o sr. ministro não envolveu as associações do setor na construção de uma visão estratégica, aliás, nem se dignou receber as estruturas associativas, passando-as para os Secretários de Estado - zero;

    sobre a necessidade de estratégias para aumentar a execução da LPM - Lei de Programação Militar e da LIM - Lei de Infraestruturas Militares - zero;

    sobre a valorização das estruturas de manutenção militar - Nuno Melo prefere atacar a administração das estruturas de manutenção nacionais (como fez com o caso do Arsenal do Alfeite), ao invés de perceber quais são os seus problemas estruturais e propor soluções (talvez com alguma “na manga” que passe por uma privatização) - zero.

Se nos lembrarmos da frase de Nuno Melo de que “um Governo que não fez nada em 100 dias não faz mais em 100 meses”, aplicada ao Governo de António Costa, rapidamente concluímos que afinal os telhados da AD são mesmo de vidro. Dos erros ao querer “recrutar delinquentes” para as FA, à prática de tiro de G3, na Lituânia, e de uma receção, imagine-se, com honras de Estado, no Alfeite, até uma noite em velocidade “cruzeiro” a bordo do Arpão… eis o que fica do seu trabalho.

Medidas estruturais para a Defesa Nacional, essas, nem vê-las! Lá diz o povo: “com papas e bolos se enganam os tolos!”. É um bom resumo para os primeiros 100 dias de Governo na área da Defesa Nacional.
A Defesa Nacional precisa, isso sim, de uma visão estratégica que dê continuidade o trabalho do anterior Governo e resolva os problemas do setor.

É necessária agilidade nas definições estratégicas, planeamento e definição de recursos. É necessário também o envolvimento das instituições representativas do setor.

São precisas medidas concretas para este importante domínio nacional. É preciso também liderança e sentido de Estado.

É urgente, já agora, que o país tenha um ministro da Defesa Nacional. Porque, até ao momento, não se deu por ele.

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