0,5%
A intervenção recente no Parlamento do Diretor Nacional da Polícia Judiciária, Luís Neves, a propósito da alegada relação entre imigração e criminalidade em Portugal, foi uma intervenção corajosa e informada, dois atributos que deveriam ser sempre os primeiros no exercício de cargos públicos. Corajosa, desde logo, porque seria sempre mais confortável, para quem está naquelas funções, procurar enaltecer o seu trabalho e revestir o que corre pior por responsabilidades de terceiros, sem contrariar a perceção pública, por menos fundamentada que esta seja. Informada, porque trabalhou sobre dados públicos no centro da decisão política, a Assembleia da República, demonstrando claramente que a realidade apresentada não é a realidade medida, sem afastar os riscos e as ameaças que resultam das próprias perceções.
Se a presença de comunidades imigrantes, que efetivamente aumentaram nas últimas décadas, fosse decisiva para o panorama da criminalidade em Portugal, estranhar-se-ia que, de um total de 12.193 reclusos (homens e mulheres) nas prisões portuguesas a 31 de dezembro de 2023 (últimos dados publicados pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais), 10.157 fossem portugueses. Dos cerca de 2000 reclusos estrangeiros, os maiores contingentes de reclusos correspondem aos que detêm nacionalidade de países africanos, como antigas colónias portuguesas em África, ou Marrocos e a Nigéria. Seguem-se os provindos da América do Sul (615), em que o Brasil avulta e, aqui, com presença muito significativa de mulheres, seguramente associada ao transporte de droga por via aérea para a Europa. E o terceiro maior grupo é o de reclusos nacionais de países europeus (381), com predomínio de romenos, espanhóis, ucranianos, moldavos, franceses ou ingleses. Feita esta geolocalização, ficam a sobrar apenas 125 reclusos – dos quais, aliás, apenas 56 condenados e os demais em prisão preventiva –, provindos de outros continentes, nomeadamente da Ásia. Ou seja, 1% do total de reclusos. Ou 0,5% dos reclusos efetivamente condenados.
Dos condenados por homicídio a cumprir pena nas prisões nacionais (homens e mulheres), 879, são 99 os estrangeiros. Entre os reclusos que cumprem pena de prisão por violência doméstica (homens), há 904 portugueses e 80 estrangeiros.
E, como bem recordava Luís Neves, se todos os imigrantes são estrangeiros, nem todos os estrangeiros são imigrantes, quando olhamos a criminalidade em Portugal: a prática do crime pode ser detetada em Portugal, o que leva ao início do procedimento penal, mas esse estrangeiro pode residir num outro país, como tipicamente sucede no tráfico de droga, o crime que mais reclusos, portugueses e estrangeiros, coloca nas prisões nacionais (1432 reclusos a 31 de dezembro de 2023).
Significa isto um atestado de santidade e pureza passado urbi et orbi a todos os que partilham da natureza humana e nasceram longe de Portugal? Não. Mas significa que acentuar perceções que não encontram respaldo na realidade é um péssimo serviço que se presta à comunidade, à economia e ao respeito pela verdade e pela decência que quereríamos passar aos nossos filhos.