Municípios chumbam propostas do Governo para a habitação

Associação de Municípios rejeita mais responsabilidades sem aumento do financiamento para suportar novas medidas
Publicado a
Atualizado a

Chumbadas por unanimidade. Duas das propostas que o Governo apresentou no âmbito da Nova Geração de Políticas para a Habitação não passaram pelo crivo dos municípios.

O Conselho Diretivo da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) decidiu ontem que os programas 1º Direito e Arrendamento Acessível “não reúnem condições” para obter o parecer favorável das autarquias. As razões são distintas e estão detalhadas em dois documentos a que o DN/Dinheiro Vivo teve acesso.

Com o Programa 1º Direito, o Governo quer apoiar “o acesso a uma habitação adequada às pessoas que vivem em situações indignas” e não têm dinheiro para mais. Estão identificadas mais de 25 mil famílias nesta situação, à qual o Executivo de António Costa quer colocar um ponto final até 25 de abril de 2024.

A proposta que vai amanhã a Conselho de Ministros prevê ajudar as famílias a arrendar, comprar ou reabilitar casas. O apoio não é só financeiro. Pode vir, por exemplo, sob a forma de materiais de construção. Caso a ajuda seja em dinheiro, as famílias terão direito a comparticipações não reembolsáveis ou a uma bonificação da taxa de juro dos empréstimos (ver caixa).

Caberá aos municípios gerir os pedidos de apoio. Mas será o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) a aprovar as candidaturas, bem como a financiar as ajudas. O modelo, no entanto, não agrada às autarquias.

No parecer que saiu da reunião de ontem, o Conselho Diretivo da ANMP afirma que existe uma “inaceitável insuficiência dos mecanismos de financiamento e incoerência com o aumento de responsabilidades dos municípios”.

Ou seja, os municípios alegam competências a mais para dinheiro a menos. Em suma, a ANMP “reprova em absoluto qualquer solução em que o Estado ‘empurre’ para os municípios responsabilidades, sem adequar, em proporção, os respetivos meios”.

Empurrado pela borda fora pelos municípios foi também o Programa Arrendamento Acessível. A proposta apresentada pela secretária de Estado da Habitação, Ana Pinho, tutelada pelo ministério do Ambiente, quer “responder às necessidades habitacionais das famílias cujo rendimento não lhes permite aceder no mercado a uma habitação adequada às suas necessidades”. O mesmo é dizer, as famílias de classe média que não conseguem suportar os aumentos das rendas nas cidades.

O programa oferece benefícios fiscais aos senhorios que arrendem casas a preços mais acessíveis. Os rendimentos prediais auferidos com as rendas ficam isentos de tributação, tanto em sede de IRS como de IRC. Os contratos devem ter um prazo mínimo de três anos, renovável até cinco anos. Para estudantes, o prazo mínimo é de nove meses.

A ANMP reconhece que os benefícios fiscais são “uma mais-valia” e sinaliza o programa “como útil e positivo para as populações”. Mas os elogios ficam por aqui.

Os municípios começam por contestar o desconhecimento de “matérias importantes”, como os limites máximos das rendas bem como dos rendimentos das famílias elegíveis. Esses valores só serão conhecidos quando a portaria for publicada.

Contestam ainda a posição secundária à qual ficam sujeitos. “Ficando toda a gestão concentrada no IHRU, permite-se aos municípios um papel quase periférico, reduzido à mera e eventual recondução dos programas locais que já possuam ao presente programa”, lê-se no parecer da Associação.

O Conselho Diretivo da ANMP é constituído por 17 elementos de três partidos: PS, PSD e PCP. Os socialistas têm a maioria dos assentos e, como tal, é deles o poder para eleger o presidente. O cargo é neste momento ocupado por Manuel Machado, presidente da Câmara Municipal de Coimbra, com quem o DN/DV tentou, sem sucesso, falar ao longo do dia de ontem.

O parecer da ANMP não é vinculativo, mas poderá ser usado como argumento quando o pacote legislativo da Habitação for discutido na Assembleia da República. Amanhã, as novas propostas serão aprovadas em Conselho de Ministros.

Secretária de Estado "ouviu as pessoas"

Luís Mendes não vive em Lisboa, mas foi como coordenador de um movimento de moradores da capital que reuniu com Ana Pinho.

A pedido da secretária de Estado da Habitação, o geógrafo do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território apresentou as propostas do Movimento Morar em Lisboa, com vista a melhorar a qualidade da habitação na capital. E foi ouvido.

“Salientámos a necessidade de aumentar a oferta dirigida às classes mais vulneráveis, pedimos a criação de um programa de arrendamento acessível através de incentivos fiscais, entre outras coisas. De forma geral as propostas foram bem recebidas”, conta Luís Mendes ao DN/Dinheiro Vivo. O geógrafo foi um entre dezenas de especialistas que passaram pelo gabinete de Ana Pinho durante os meses que durou a concepção da Nova Geração de Políticas de Habitação.

“Foi um trabalho de participação muito técnico, com a ajuda de cientistas e académicos, mas também muito social e popular. As pessoas foram ouvidas e convidadas a apresentar problemas concretos, inlcluindo moradores em situação crítica”, explica o geólogo.

Apesar de afirmar que “quase todas” as medidas partiram dos movimentos sociais e dos técnicos especialistas, Luís Mendes reconhece Ana Pinho como a “mãe” das propostas de lei.

“É um projeto intimamente relacionado com a carreira da secretária de Estado. Ana Pinho é doutorada em reabilitação urbana e tem um currículo vasto nesse domínio. Vê-se que o pacote legislativo tem o cunho do seu mentor”.

Luís Mendes faz um balanço positivo das propostas apresentadas, mas considera que serão “apenas um beliscão na realidade das cidades” se não houver mexidas na Lei das Rendas e no Estatuto dos Residentes Não Habituais. “Essas são as principais causas do aumento dos preços”.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt