"Vou fazer tudo para resgatar a minha fé dos extremistas"

Entrevista a Raheel Raza, ativista muçulmana
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A ativista muçulmana Raheel Raza já foi várias vezes ameaçada de morte. A sua luta é unir muçulmanos moderados de todo o mundo para que as suas vozes sejam mais ouvidas que as dos terroristas radicais.

O que aconteceu de marcante na sua vida que a fez decidir protagonizar o movimento Muslims Facing Tomorrow (Muçulmanos a Enfrentar o Amanhã), com risco para a sua própria vida?
Nasci no Paquistão numa cultura em que é suposto as mulheres serem vistas mas não ouvidas. Durante a minha infância e juventude vi disparidade de género, pobreza e uma marcante clivagem entre classes sociais. As mulheres e suas vidas preocupavam-me e mesmo nessa altura já sabia que a educação é a chave para a iluminação e modernidade. Infelizmente não podia fazer muito ali, mas quando imigrei para o Canadá, há 30 anos, comecei o meu ativismo de forma livre e intensa.

Ouvimos sempre muita gente dizer que o islão é uma religião de paz. Como se explica que grupos terroristas invoquem o islão para justificar as suas ações mortais?
O islão não é uma religião de paz nem de guerra. Todas as escrituras têm partes que são violentas porque foram escritas já centenas de anos e têm um contexto histórico. Dos 1,6 mil milhões de muçulmanos apenas uma pequena percentagem é radical, violenta, mas nós temos de mostrar a esta minoria que a violência não é solução para nenhum problema. Parte do nosso trabalho é educar e informar as pessoas sobre o contexto histórico das escrituras e promover uma interpretação diferente dos textos. Sublinho que ninguém "nasce" terrorista ou um radical - são ensinados com uma interpretação errada da mensagem.

Tem sido difícil unir muçulmanos moderados?
O nosso movimento pretende reformar a forma como os muçulmanos hoje interpretam, compreendem e implementam o Islão nas suas vidas. É difícil, logo à partida, porque não somos religiosos eruditos ou peritos, apenas ativistas. E há sempre resistência à mudança . Veja-se quanto tempo levou a reforma cristã? Ainda estamos agora a começar e queremos acender uma chama debaixo dos pés dos nossos religiosos eruditos para criar uma narrativa alternativa para muçulmanos modernos e progressistas como nós.

Ser mulher complica a missão?
Numa cultura patriarcal é mais difícil fazer este trabalho sendo mulher. Já fui ameaçada de morte, fui alvo de fatwas e recebi muitos emails com palavras e ódio e ameaças. Mas isto só significa que alguém me está a ouvir e que não gostam provavelmente porque o que digo é verdade. Só torna o meu trabalho mais importante. E eu acredito que desde que faça o trabalho de Deus, serei protegida pelo meu criador. Temos de expor a hipocrisia daqueles que deturpam a fé em nome de agendas políticas subversivas.

O que conseguiram alcançar?
Já alcançámos muito e, ao mesmo tempo, pouco, tendo em conta que somos um pequeno grupo contra milhares de milhões de petrodólares e milhares de pessoas que pensam o oposto daquilo que estamos a defender. Ainda assim, conseguimos desradicalizar 20 aldeias no Bangladesh e estamos a trabalhar noutras 80. Ajudámos a mudar a legislação no Canadá para refletir os direitos das mulheres e temos organizado seminários para informar as pessoas. Agora estou no Reino Unido para uma série de encontros no parlamento britânico e tenho trabalhado com vários governos.

E como é recebida em países muçulmanos?
Os países muçulmanos têm vindo a aderir aos poucos à nossa mensagem, que fala de direitos humanos universais. O nosso site www.muslimreformmovement.org é muito visitado. Claro que é perigoso para mim viajar para esses países, mas hoje em dia, com a tecnologia não precisamos de lá estar fisicamente.

É forte a sua fé no Islão?
Sou uma muçulmana crente e praticante, com um grande amor pela mensagem espiritual da minha fé, na qual acredito com toda a força e que foi roubada por jihadistas radicais e substituída por uma ideologia violenta. Enquanto viver, vou fazer tudo e trabalhar para resgatar a minha fé dos extremistas, missão essa a que me dedico apenas devido ao meu compromisso inabalável e profundo com a minha fé.

Usa hijab?
Não uso hijab. A minha fé não exige uma declaração pública. Importante é a forma como me comporto em público com as pessoas em meu redor. Não apoio a obrigatoriedade, mas também sou contra a proibição do hijab ou do burquini, como tem acontecido em países europeus. São apenas jogadas políticas. A cobertura da cabeça não estraga o cérebro das mulheres. Há outras religiões em que as mulheres cobrem as cabeças, como o cristianismo ortodoxo, o judaísmo, hindus e sikhs, mas a intenção deve ser espiritual e não política.

Que mensagem pode mandar à comunidade muçulmana de Portugal?
Sem querer sermos donos da verdade, só queremos dizer que num mundo livre cada pessoa tem o direito de assumir a sua religião como quiser. Não se deve impô-la aos outros nem usar violência.

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