Vitória de Viktor Orbán reforma tendências nacionalistas e eurocéticas
A reafirmação de uma liderança de pendor nacionalista, autoritária e eurocética, no passado domingo, dia 8, na Hungria veio reforçar os alarmes quanto às tendências políticas entre os países do centro europeu (...) e os desafios que colocam à Europa.
Viktor Orbán, o controverso chefe do governo de Budapeste, apontado com uma das referências da direita radical europeia, garantiu um terceiro mandato com maioria absoluta com base numa plataforma centrada numa política antiemigração e em promessas de pôr na ordem os media e organizações independentes denunciadas como "agentes da influência estrangeira" e "ameaças à segurança nacional". Prometeu ainda baixar os impostos e promover políticas de crescimento económico.
"Ganhámos", disse Orbán na primeira reação à vitória eleitoral. "Conquistámos uma oportunidade de defender a Hungria." O líder magiar apresenta-se como defensor da Hungria e da Europa contra os emigrantes muçulmanos e coloca a soberania nacional acima de tudo - e em particular de Bruxelas.
O triunfo representou uma pesada derrota para a oposição liberal, dos socialistas aos Verdes, que se mostrou incapaz de superar as suas divisões e de se unir contra o Fidesz.
O partido de Orbán terá perdido o voto da juventude e viu as formações da oposição conquistarem a maioria dos assentos parlamentares na capital, Budapeste, mas manteve a supremacia nas circunscrições rurais e nas cidades de província.
O processo eleitoral foi alvo de duras críticas por parte dos observadores da OSCE que consideraram as eleições "legais", mas não verdadeiramente "livres" e denunciaram o "clima adverso" que condicionou a oposição. Durante a campanha, Viktor Orbán recusou debates diretos com os seus adversários e falar aos media independentes.
A vitória de Orbán foi prontamente saudada por vários líderes da extrema-direita europeia, da francesa Marine Le Pen ao holandês Geert Wilders, e pelo primeiro-ministro nacionalista polaco, Mateusz Morawiecki, defensor, como Orbán, da "herança cristã" europeia. O líder húngaro recebeu ainda os cumprimentos do Partido Popular europeu e uma palavra de apoio do ministro do Interior alemão, Horst Seehofer, crítico da política de imigração da chanceler Angela Merkel.
De "coqueluche" a "mau rapaz"
Os media europeus chamaram-lhe "o mau rapaz da Europa" ou "o lança-chamas europeu". E no entanto, em finais dos anos 1980, Viktor Orbán era adulado por toda a direita europeia. Jovem, dinâmico, irrepreensivelmente liberal e antissoviético, o líder do Fidesz - o irreverente movimento dos "jovens democratas" - era o modelo consumado dos líderes emergentes de uma Europa de centro-leste em plena emancipação do bloco soviético.
O perfil político do jovem líder em breve revelou outros tons. Orbán percebeu que se abria um espaço vazio na direita política e o Fidesz preencheu-o adotando uma linha cada vez mais conservadora na oposição à coligação socialista-liberal que governava a Hungria desde 1994.
Regressado ao poder em 2010 com maioria absoluta - depois de ter chefiado o governo entre 1998 e 2002 e de oito anos na oposição - Orbán meteu mãos à obra. Refez a Constituição sublinhando os valores cristãos, a nação e a família. Garantiu a cidadania e o direito de voto aos mais de um milhão de húngaros que vivem nos países vizinhos, aprovou uma nova lei dos media que lhe permitiu controlar a informação. Esta última mereceu-lhe sérios reparos do Conselho da Europa.
As vozes críticas acusam-no de purgar a administração pública ou o ensino de todos quantos o contestavam e de colocar próximos e familiares em cargos-chave do aparelho de Estado e da economia. As acusações de corrupção e de desvio de fundos públicos envolvendo ministros e empresários ligados ao Fidesz e familiares mereceram uma intervenção da OLAF, autoridade europeia anticorrupção.
A renovação da maioria de dois terços nas legislativas de 2014 garantiu a Orbán condições para consolidar o seu illiberal state na Hungria, ao mesmo tempo que se afirmava como a voz mais influente da direita radical na Europa. Face à crise demográfica vivida pela Hungria - a população cai 30 mil pessoas por ano -, Orbán entendeu que a solução era aprovar incentivos para encorajar as famílias húngaras a terem mais filhos. O problema é ainda agravado por uma "fuga de cérebros, a elevada emigração da população jovem e mais qualificada do país. Os mais críticos falam de uma "geração perdida" na Hungria.
Uma "Europa cristã"
"Se queremos uma Hungria húngara e uma Europa europeia (...) então temos de querer uma Hungria cristã e uma Europa cristã, em vez do que nos ameaça agora com uma população mista e sem sentido de identidade", disse Orbán num discurso em 2017 na Roménia. Quando em maio a Comissão Europeia propôs quotas compulsórias para o acolhimento dos refugiados do Médio Oriente, Orbán respondeu com uma barreira de arame farpado na fronteira sul para impedir a entrada de imigrantes. O governo de Budapeste lançou ao mesmo tempo uma campanha na imprensa alertando para a ameaça da emigração, insistindo que se tratava não de refugiados fugidos à guerra mas de migrantes económicos à procura de melhor vida na Europa. A campanha parece ter surtido efeito granjeando - denuncia a oposição - um milhão de novos apoiantes ao Fidesz.
A renovação da maioria absoluta nas legislativas de domingo passado "reforça o sentimento de legitimidade do Fidesz" e Orbán vai "usar esse reforço nas negociações com Bruxelas" - disse ao The Guardian Zsuzsanna Szelényi, uma antiga deputada independente. Orbán prometeu em plena campanha "ajustar contas" com organizações que "promovem a imigração ilegal" e que "não têm qualquer mandato democrático". Nos meios de oposição adverte-se que os próximos alvos deverão ser grupos da sociedade civil que fazem campanha pelos direitos humanos, por media críticos e contra a corrupção.
O Parlamento de Budapeste prepara um controverso pacote legislativo Stop Soros contra uma série de instituições liberais patrocinadas pelo multimilionário americano de origem húngara George Soros - inimigo de estimação de Orbán, e que foi curiosamente um dos grandes apoiantes do Fidesz nos anos 1980.
A dimensão MittelEuropa
Orbán recusa a ideia de uma identidade europeia defendida em Paris ou Berlim, mas acredita numa "identidade centro-europeia" entre os gigantes Rússia e Alemanha. A ideia pareceu de algum modo afirmar-se na resistência conjunta dos países do Grupo de Visegrado - Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia - à política de emigração europeia, bem como na afirmação de tendências políticas centradas no nacionalismo, na afirmação dos valores tradicionais em oposição ao cosmopolitismo europeu e nas expressões de desconfiança face à autoridade de Bruxelas.
A vaga de refugiados da primavera de 2015 constituiu uma oportunidade para Orbán e para outros políticos da região que dramatizaram ao máximo a "ameaça" potencial da imigração e aproveitaram para se promover como "salvadores". A Polónia, a República Checa e a Eslováquia juntaram-se à Hungria na resistência às orientações de Bruxelas.
Budapeste e Varsóvia agradecem os subsídios de Bruxelas mas resistem a qualquer forma de centralismo vindo de Bruxelas. Percebem nos aspetos multiculturais da Europa uma ameaça aos valores nacionais - a pátria, a fé cristã, a família. De forma menos marcada, ideias semelhantes não deixam de se afirmar na paisagem política das vizinhas República Checa e Eslováquia.
Na Polónia, o Partido da Lei e da Justiça (PiS) defende empenhadamente os valores tradicionais e conservadores, põe em causa a liberdade de imprensa, nega o direito ao aborto e lançou uma remodelação do sistema judiciário que mobilizou uma vaga de protestos nas ruas. O caso levou a Comissão Europeia a acionar pela primeira vez o artigo 7 contra um Estado membro e em Bruxelas agitou-se a ameaça de retirar o direito de voto à Polónia. A Hungria colocou-se prontamente ao lado de Varsóvia.
Os governos de Budapeste e de Varsóvia mostram pouco interesse na zona euro, apesar das divisões entre a opinião pública, e olham com desconfiança as propostas de aprofundamento da integração europeia. A Eslováquia, o único membro da zona euro na região, mostra-se, tal como a Roménia ou a Bulgária, mais aberta a uma maior integração. O governo de Praga está a meio caminho, mas a opinião pública checa revela igualmente uma elevada dose de euroceticismo. A ideia de uma Europa a várias velocidades provoca também forte desconfiança.
Orgulho nacional
As explicações de ordem socioeconómica não parecem colher no contexto em questão. O nível de vida dos polacos ou dos húngaros tem acusado uma aproximação relativa mas real ao dos europeus mais prósperos. A Hungria vive uma situação económica estável. A República Checa regista um crescimento anual de 5% e a mais baixa taxa de desemprego da Europa .
Na opinião de muitos peritos, trata-se antes de mais de uma reação antiglobalização, de uma forma de resistência a destinos institucionais e políticos de que países da Europa Central tiraram enormes benefícios, mas em que muitos sentem não ter praticamente voz. A ideia de uma identidade europeia não parece ainda ter conquistado as paragens do centro-leste europeu. É em boa medida em nome do orgulho nacional que os governos de Varsóvia e Budapeste tentam bater o pé a Bruxelas.
Outros apontam os efeitos da brusca transição do comunismo para as "terapias de choque" e políticas neoliberais, um processo que deixou feridas nas sociedades do centro-leste europeu e terá impedido o amadurecimento das correntes sociais-democratas e centristas.
Os países da região mostram-se demasiado divididos para constituírem uma eventual frente de resistência, mas as suas reservas chegam para complicar o debate sobre o futuro do projeto europeu. Em Bruxelas, levantam-se vozes exigindo uma linha mais dura quanto às derivas na Hungria ou na Polónia. A questão dos fundos europeus está na primeira linha. Angela Merkel defendeu já que no próximo orçamento europeu os critérios de subsídios deveriam ajustar-se à "prontidão das regiões e autoridades a receber e a integrar imigrantes".