Violência e morte marcam votação que reforça poder de Maduro
Apesar de o governo venezuelano insistir que a eleição para os 545 membros da Assembleia Constituinte decorreu ontem com "normalidade", pelo menos sete pessoas morreram nos confrontos entre manifestantes e autoridades. Quatro polícias ficaram também feridos e oito motos foram queimadas quando rebentou um engenho não identificado à passagem da coluna em que seguiam. Numa eleição boicotada pela Mesa de Unidade Democrática (MUD), a dúvida era conhecer os números da participação, com a oposição a acusar o governo de inflacionar os dados.
"Sou o primeiro a votar no país. Quis ser o primeiro voto pela paz, pela soberania e pela independência da Venezuela", disse Maduro, logo às 06.00 em direto nas televisões. "Peço a bênção de Deus para que o povo possa exercer livremente o seu direito de voto democrático", acrescentou o presidente, lembrando que "o imperador Donald Trump [presidente dos EUA] quis travar o direito ao voto do povo venezuelano". Segundo Maduro, "uma nova era de combate vai começar".
Mais tarde o presidente quis que ficasse registado que tinha votado neste "dia histórico", pedindo para fazer a leitura do "cartão da pátria" - lançado neste ano para permitir a venda dos alimentos que são subvencionados, o registo dos benefícios sociais de cada pessoa e que era obrigatório para votar. O problema é que quando o fez surgiu no ecrã a frase: "A pessoa não existe ou o cartão foi anulado."
Segundo a oposição, que boicotou a eleição por considerar o processo uma "fraude" que só vai servir para perpetuar Maduro no poder, muitas assembleias de voto estavam vazias. Mas o ministro da Comunicação, Ernesto Villegas, publicou no Twitter vídeos e fotos de várias filas por todo o país. Segundo o presidente da Assembleia Nacional, o opositor Julio Borges, que citava fontes dentro do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), a meio da tarde só tinham votado 1,5 milhões de venezuelanos e as estimativas é que só três milhões votassem até ao fecho das urnas - a MUD denunciou a pressão sobre os funcionários públicos para votar. Contudo, segundo Borges, o CNE já teria preparado um boletim a dizer que 8,5 milhões de pessoas tinham votado - no referendo simbólico contra a Constituinte, há duas semanas, votaram 7,6 milhões de venezuelanos.
Ao princípio da tarde, o governo dizia que "todo o processo está a decorrer muito bem". A exceção, segundo o ministro da Defesa, Vladimir Padrino, eram "os focos de violência que resistem a fortalecer a democracia através do sufrágio", falando em pelo menos cem máquinas eleitorais queimadas, mas defendendo que "a segurança está garantida".
A oposição tinha convocado uma grande marcha em Caracas, que iria ocupar a Autoestrada Francisco Fajardo, mas ainda de manhã os dirigentes opositores reconheciam que seria impossível manter esses planos por causa da repressão policial. As manifestações foram proibidas pelo governo de Maduro até amanhã, mas houve quem desafiasse a proibição e erguesse barricadas em várias ruas da capital, com as autoridades a serem chamadas a atuar.
Um engenho explosivo rebentou à passagem de uma coluna de motos da polícia, causando ferimentos em pelo menos quatro membros das forças de segurança. Nove motos terão também ficado queimadas após a explosão em Altamira, Caracas, onde decorria uma manifestação da oposição. Segundo a agência francesa AFP, o resto dos agentes que integravam a comitiva da polícia - que desde a manhã reprimiam os protestos contra a Constituinte - desceram das motos para ajudar os colegas e dispararam tiros e bombas de gás lacrimogéneo para manter os jornalistas afastados.
Manifestação em Lisboa
"Marcelo, amigo, une-te à luta", gritaram cerca de uma centena de pessoas numa manifestação junto à estátua de Simón Bolívar (o herói da independência das Américas) na Avenida da Liberdade, em Lisboa. Venezuelanos e luso-venezuelanos pedem uma "posição firme" do governo português e uma declaração oficial do executivo ou do presidente Marcelo Rebelo de Sousa "contra o regime de Nicolás Maduro".
"O filho de um grande amigo foi morto nas manifestações, outro grande amigo está preso... só por protestar. Eu não posso deixar de vir protestar. É a minha obrigação. Entristece-me muito ver a falta de uma posição oficial do governo português, a falta de um interesse real, a atitude doente de alguns partidos portugueses. E não pode ser", disse o luso-venezuelano Gustavo Hernández, há dez anos em Portugal.
"Pedimos duas coisas a Portugal. Uma é que mostre solidariedade e haja um comunicado do governo português, oficial, contra o regime da Venezuela. Outra é a abertura de um canal humanitário para os portugueses que estão lá e que querem sair", afirmou Christian Höhn, responsável da Associação Civil de Venezuelanos em Lisboa - Venexos, que organizou o protesto em Lisboa. "Se há negócios ou não entre Portugal e a Venezuela, acho que chegou a altura de pensar um pouco mais em nós, nas pessoas, do que no dinheiro", acrescentou.
Além dos EUA, que já anunciaram sanções contra a Venezuela, vários outros países prometem não reconhecer a Constituinte agora eleita e ameaçam com mais medidas contra Caracas.