"Vários migrantes disseram-me preferir perder a vida no Mediterrâneo a voltar à Líbia"
Para poder chegar à fala com alguns dos 234 migrantes a bordo do Lifeline, o eurodeputado do PCP, João Pimenta Lopes, contou ao DN que era preciso fazer "malabarismo" e "passar por cima dos corpos das pessoas que estavam deitadas no chão a descansar".
"Qualquer espaço útil do navio é ocupado por pessoas", descreveu por telefone, já em Malta, depois de ter passado parte da noite a bordo do Lifeline, que continua à espera da luz verde de um país europeu para atracar. "Trata-se de uma embarcação com todas as condições para proceder ao resgate e salvamento, mas objetivamente não é uma embarcação de transporte de pessoas, de passageiros", afirmou.
Já estão assim há quatro dias. E a situação arrisca tornar-se ainda mais complicada, com a previsão de mudanças das condições marítimas, prevista para amanhã. "Vai tornar uma situação crítica numa situação de risco de vida para estas pessoas, na medida em que, a par dos enjoos, vómitos e desidratação que ocorre nestas circunstâncias, porque temos um conjunto de pessoas muito debilitadas fisicamente, há o risco de as pessoas, também com a agitação marítima, poderem cair para fora da embarcação", revelou, dizendo que essa informação foi passada pelos tripulantes.
"Podemos estar a poucas horas de uma situação muito grave às portas de vários países da Europa", afirmou. "Estamos a assistir a este jogo do empurra, por um lado, entre dois estados membros da União Europeia, por outro, entre uma União Europeia que, pelo que nos chega do resultado da mini-cimeira de ontem e pelo que nos tem sido antecipado do Conselho Europeu que decorre esta semana, visa continuar numa lógica de encerramento das fronteiras, de limitar os fluxos migratórios", indicou o eurodeputado.
E há ainda outra embarcação, com mais 113 pessoas a bordo, também a aguardar resposta. O Alexander Maersk está ao largo da Sicília. "O que está em curso, neste momento, questiona até o próprio direito marítimo internacional de resgate a pessoas em situação de perigo no mar", avisou, lembrando que só este ano, já são quase mil mortos no Mediterrâneo. "Não podemos continuar a fechar os olhos."
Histórias transversais
"O que é transversal a quase todos os testemunhos é que se trata de gente muito nova, pessoas que já saíram há mais de um ano, alguns até há dois ou três dos seus países à procura condições melhores, fugindo de situações de violência, de guerra, de fome, de miséria absoluta", explicou o eurodeputado. "Quase todos tiveram um período muito significativo na Líbia onde foram confrontados com uma situação de violência, confrontados com a realidade de tráfico de seres humanos e esclavagismo", acrescentou.
João Pimenta Lopes relata, por exemplo, o caso de um jovem nigeriano de 21 anos que lhe disse que tinha sido vendido uma vez, mas que conseguira escapar. "Vários migrantes disseram-me que preferiam perder a vida no Mediterrâneo a regressar à Líbia", contou.
"Existe um desejo muito grande de todos de alcançar a segurança num local que os acolha. Depois, o desejo de prosseguir a vida, de continuar a estudar, de encontrar trabalho", refere.