Uma Sala Oval de portas abertas. Desrespeito ou novo estilo Trump?

Fotografia da conselheira Kellyanne Conway ajoelhada em cima de sofá gerou críticas. Presidente já estivera na mira ao deixar a filha Ivanka sentar-se à sua secretária. Trump mantém na Casa Branca hábitos dos tempos de empresário.
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No livro A Arte da Negociação, Donald Trump explica como no seu gabinete no 26.º andar da Trump Tower "a porta está sempre aberta". Agora que trocou os negócios pela Casa Branca, o milionário parece ter mantido a forma de trabalhar, mesmo na Sala Oval. Do chefe de gabinete, Reince Priebus, ao estratega principal, Steve Bannon, passando pelo porta-voz, Sean Spicer, ou pela conselheira Kellyanne Conway, são muitos os colaboradores, alguns sem cargos de alta responsabilidade, com livre acesso para bater à porta e entrar sempre que precisam de falar com o presidente.

Um estilo descontraído que já valeu críticas a Trump. As últimas surgiram ontem quando foi divulgada uma fotografia da AFP na qual se vê Conway ajoelhada no sofá da Sala Oval, com os sapatos calçados e a tirar fotos durante um encontro de Trump com responsáveis de escolas e universidades negras. A pose descontraída da conselheira, numa sala cheia de convidados, num dos gabinetes mais sagrados da América, foi considerada uma "falta de respeito" tanto por internautas como por analistas dos media.

"Os educadores afro-americanos mais respeitados do país estão reunidos na Casa Branca e Kellyanne Conway nem sequer consegue mostrar a cortesia mais elementar", escreveu Rachel Vorona Cote, analista do site feminino Jezebel. Já Bret Stephens, colunista do The Wall Street Journal, escreveu no Twitter: "Se [Susan] Rice ou [Valerie] Jarrett se tivessem sentado assim na Sala Oval, os conservadores teriam andado aos gritos durante semanas." E andaram. Não por causa das conselheiras de Barack Obama, mas por causa do próprio presidente democrata. Quando este chegou à Casa Branca, choveram críticas por aparecer sem blazer e de mangas arregaçadas na Sala Oval .

Mas foi uma fotografia tirada por Pete Souza, o fotógrafo oficial da Casa Branca, neto de açorianos, que valeu a Obama as mais duras acusações de "desrespeito". Na imagem, o presidente surgia ao telefone, com os pés em cima da secretária. Acusado de "dessacralizar" a Sala Oval, Obama foi atacado por Andrew Card, ex-chefe de gabinete de George W. Bush, pelo "estilo de balneário que se apoderou da Casa Branca". Um ataque logo rebatido pelas fotos de Bush e de Jimmy Carter também com os pés em cima da secretária.

Ao longo dos anos, a Sala Oval foi várias vezes palco de comportamentos menos ortodoxos. Obama foi muitas vezes fotografado de gatas no tapete com selo presidencial a brincar com bebés e crianças filhos do pessoal da Casa Branca; é famosa a foto de John Jr., o filho de John F. Kennedy escondido debaixo da secretária enquanto o pai trabalhava, já para não falar no papel que a Sala Oval acabou por ter no escândalo Monica Lewinsky, que valeu a Bill Clinton um processo de destituição por mentir sobre a relação com a estagiária da Casa Branca.

O que parece chocar mais na fotografia de Kellyanne Conway é o facto de a conselheira estar ajoelhada no sofá da Sala Oval durante um ato oficial do presidente. A conselheira, que foi responsável pela etapa final da campanha presidencial de Trump, não é uma estreante nas polémicas. O gabinete de ética do governo já considerara que a antiga CEO da empresa de sondagens The Polling Company "violou" as regras quando, numa entrevista televisiva, apelou aos espectadores para comprarem as roupas de Ivanka Trump, a filha do presidente. Além de ter criado o conceito de "factos alternativos", no início de fevereiro, Conway inventou o massacre de Bowling Green para justificar o decreto presidencial que suspendia a entrada nos EUA de cidadãos de sete países de maioria muçulmana.

Desde que Trump chegou à Casa Branca esta é a segunda quebra do protocolo na Sala Oval. Em meados de fevereiro, durante a visita a Washington do primeiro-ministro canadiano, Ivanka publicara no Twitter uma foto sentada à secretária do presidente, rodeada pelo pai e por Justin Trudeau. Aos 35 anos, a filha mais velha de Trump já gerara controvérsia quando, após a vitória do pai, participara num encontro deste na Trump Tower com o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe. Entretanto, Ivanka abandonou os negócios, depois de o marido, Jared Kushner, ser nomeado conselheiro presidencial. E a família mudou-se toda para a Casa Branca. Ao contrário da primeira-dama, Melania, que ficou em Nova Iorque com o filho, Barron, até final do ano letivo.

Ivanka não foi a primeira "convidada" a sentar-se à secretária do presidente. Em 2013, Obama chamou Robby Novak, de 9 anos, conhecido como Kid President, a ocupar o seu posto de trabalho na Sala Oval. Mas era uma criança, e não "uma empresária adulta com uma influência e um poder invulgares para uma filha de presidente", como lembrava o The Washington Post.

Polémicas à parte, o couchgate (sim, os media já deram nome ao caso, juntando couch - sofá - e gate), Trump era ontem à noite (madrugada de hoje em Lisboa) esperado no Congresso para o primeiro discurso. Com a popularidade nos 42% - a mais baixa a esta altura do mandato desde Dwight Eisenhower -, esperava-se que apontasse a política que vai seguir em áreas como impostos, saúde ou imigração.

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