Uma catástrofe humanitária: testemunho de um médico
É o testemunho angustiado de um médico que trabalha na cidade de Valência, a capital do estado de Carabobo, que fica a cerca de 200 quilómetros de Caracas. Todos os dias, este médico que pede o anonimato tem nas mãos doentes que morrem por falta de medicamentos ou de material médico. Pacientes que noutras circunstâncias sobreviveriam. Morrem, nalguns casos, de coisas simples.
O médico de 35 anos trabalhou até fevereiro último em dois hospitais públicos. Renunciou a um, pois o que ganhava não compensava a deslocação e muito menos a alimentação. "Apetece fugir daqui. Sair para longe. O que ganha um profissional, por mais competente e especializado que seja, não dá para manter a família, mas o mais duro não é isso", começa por dizer. "O mais duro é ver morrer gente sem se poder fazer nada. Há gente preparada, mas sem as ferramentas é impossível dar o apoio de que o paciente necessita."
O clínico, quando questionado sobre quantos casos já foi obrigado a enfrentar nessa situação, diz que "são diários", não só no hospital onde trabalha mas "em toda a Venezuela isso acontece. É uma verdadeira catástrofe". O médico diz que os problemas são uma constante. "Desde o ano 2000 que as coisas se complicaram, mas a situação tem-se deteriorado de uma forma exponencial nos últimos tempos. É uma crise humanitária sem precedentes no país. No hospital, em cada turno vemos morrer pacientes sem possibilidade de fazer nada por eles."
Outro dos alertas que deixa é que têm surgido casos muito preocupantes de doenças que noutras circunstâncias estariam controladas. O médico dá exemplos de enfermidades como difteria, tuberculose, sarampo e até de casos de vírus da gripe H1N1. Mas não há dados oficiais nem qualquer tipo de controlo. Muito menos prevenção. O que fica claro é que as carências na área da saúde são de tal ordem (não só em Valência, mas em todo o país) que só uma ajuda do exterior pode evitar ainda mais mortes, especialmente de crianças.
Além da falta de segurança, outra das principais razões para a saída em massa do país (já há quem fale em quatro milhões de pessoas que deixaram a Venezuela nos últimos tempos) é precisamente o acesso aos cuidados de saúde. Sucedem-se os relatos de casos graves, envolvendo conhecidos, que procuram outras paragens porque ficar significa executar uma sentença de morte.
Este texto foi originalmente publicado no Diário de Notícias da Madeira.