Um realizador iraniano que dirige um festival de cinema em Lisboa
Foi por amor de uma portuguesa que Reza Hajipour se fixou em Portugal. Tinha vindo participar com uma curta-metragem no Festival Internacional de Cinema, em Évora, no outono de 2007, onde conheceu "uma jovem portuguesa" ligada à organização. Durante a estada de dez dias, em que Hajipour viajava acompanhado por outros dois compatriotas, acabou por iniciar a relação que se tornou fulgurante. Prova disso é que a jovem o acompanhou até à Alemanha, onde reside a irmã de Hajipour ("tenho ainda um irmão mais novo"), na viagem de regresso deste ao Irão. E, mais tarde, irá visitá-lo neste país. Estava no momento de "tomar uma decisão", já que o iraniano pedira "um visto de emigração para a Austrália, e fora concedido". Hajipour optou por Portugal e fixou-se em Braga, onde residia a namorada. "Não sabia do que ia viver", recorda. A muito breve trecho teve de tomar outra decisão pesada: "as coisas não correram bem. Não havia trabalho" e a relação depressa se desmoronou.
Parte para Lisboa, para o desconhecido absoluto. Durante algum tempo vai sobreviver de empregos de ocasião, em condições indignas, por vezes. "O primeiro trabalho foi numa loja de um paquistanês na Amadora, um cabeleireiro; depois, uma loja de informática no Centro Comercial Babilónia." Aqui sugeriu ao proprietário "fazer filmes para casamentos e outros eventos", recorda.
Foi um momento de viragem. Conheceu alguns portugueses e a vida deste iraniano - nascido numa cidade do Norte do país, Fouman, em 1977, onde viveu até aos 6 anos antes de se mudar para Teerão - começou a mudar. Pôde, finalmente, fazer aquilo que gosta: filmes. Hajipour estudou cinema na Sociedade de Cinema Jovem do Irão, IYCS, na sigla em inglês. "A maioria dos cineastas iranianos estudou nesta escola. Os cursos na faculdade são uma perda de tempo", pensa Hajipour.
O iraniano conta que o cinema não foi a sua primeira área de trabalho. Inicialmente, estudara Línguas e Literatura Africanas na Universidade Azad, em Teerão, e encontrou emprego, primeiro como tradutor do idioma hausa (falado na África Ocidental), depois como produtor. Funções que desempenhou até 2008, mas "ao fim de dois anos achei que já não havia criatividade". Foi esta perceção que o levou então a estudar cinema e à deslocação a Évora - "a primeira que tive na Europa", lembra - para apresentar o seu trabalho de fim de curso, refere o hoje diretor do Arroios Film Festival, cuja próxima edição decorre de 9 a 16 de setembro em Lisboa.
Atualmente casado com uma compatriota - "fui pai há um mês, tivemos uma menina, Nila" -, Hajipour mantém uma memória inesquecível da sua viagem entre Lisboa e Évora. "Passámos a Ponte Vasco da Gama. Uma imagem maravilhosa! E a paisagem até Évora. Tantas árvores. É um prazer ver uma estrada com verde de ambos os lados ", diz. "Não há muitas árvores naturais em Teerão. É uma cidade seca", a neblina "da poluição é permanente". Mas as condições atmosféricas e a conjuntura política não o têm impedido de regressar à capital iraniana e de realizar vários documentários e reportagens sobre Portugal e sobre temas internacionais, entre os quais uma "série sobre convertidos ao islão. Já fiz mais de quarenta documentários".
Hajipour, que foi primeiro assistente do realizador Reza Siamizadeh num filme deste de 2006 (o seu primeiro trabalho como cineasta), vê-se obrigado a ter "uma loja de kebab para sobreviver" e quer continuar em Portugal, mas talvez parta "uma década depois de chegar", ou seja, em 2018. Se o fizer, admite que vai ter saudades, por exemplo, do azeite, que no Irão é um luxo e de muitas outras coisas da gastronomia nacional. Mas há uma coisa de que não terá saudades: "a condução apressada dos portugueses".