Um mediador com mão de ferro. Emir do Kuwait morre aos 91 anos

O emir do Kuwait, o xeque Sabah al-Ahmad al-Sabah, morreu nesta terça-feira (29) aos 91 anos, anunciou o palácio real deste pequeno país do Golfo.
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"É com grande tristeza e pesar que lamentamos [...] a morte do xeque Sabah al-Ahmad al-Jaber al-Sabah, emir do Kuwait", declarou o ministro encarregado dos assuntos reais, o xeque Ali Jarrah al-Sabah, em gravação transmitida pela televisão do Kuwait.

A televisão estatal interrompeu sua programação e transmitiu versos do Alcorão antes do anúncio oficial.

Após a sua hospitalização no Kuwait, em 18 de julho, o chefe de Estado, que assumiu o poder em 2006, transferiu "temporariamente" parte dos seus poderes para o príncipe herdeiro, o xeque Nawaf Al-Ahmad Al-Jaber Al-Sabah. Este, que é meio-irmão do emir agora falecido e tem 83 anos, deverá suceder-lhe como a máxima figura do país.

No final de julho, o xeque Sabah viajou para os Estados Unidos para continuar os tratamentos médicos, de acordo com as autoridades do emirado, que não deram pormenores sobre a natureza da sua doença.

Não ficou claro se o emir ainda estava nos Estados Unidos, quando da sua morte, ou se já tinha retornado ao Kuwait.

Sabah al-Ahmad al-Jaber al-Sabah já tinha um historial de problemas clínicos: foi submetido a uma cirurgia para a retirada do apêndice em 2002 e inseriu um pacemaker em fevereiro de 2000. Em 2007, foi submetido a uma cirurgia de reconstrução do trato urinário nos Estados Unidos.

Em setembro de 2019, o xeque Sabah foi também submetido a exames médicos após a sua chegada aos Estados Unidos para uma cimeira com o presidente norte-americano Donald Trump, acabando por ter de adiar e, em seguida, cancelar, esse encontro.

"Decano da diplomacia" árabe, o xeque Sabah al-Ahmad Al-Sabah, que morreu nesta terça-feira aos 91 anos, sobreviveu às piores crises do Kuwait com mão de ferro e reputação de monarca astuto e inabalável.

Mesmo antes de sua nomeação como emir, ele passou décadas a influenciar as políticas do emirato na sombra dos seus antecessores: o seu meio-irmão Jaber Al-Sabah e o seu primo Saad Al-Sabah.

Em 2006, numa ação amplamente reconhecida como arquitetada por Sabah al-Ahmad Al-Sabah, o Parlamento votou para destronar Saad - apenas uma semana após a sua nomeação - citando preocupações com o bem-estar físico do então governante, de 75 anos.

Sabah, ministro de Relações Externas desde longa data, ascendeu então ao trono do Kuwait e a um papel regional como mediador em algumas das piores crises que afetaram o Golfo.

Nascido em 16 de junho de 1929, ele era o bisneto do fundador do Kuwait moderno, Mubarak Al-Sabah - um precursor notório por ordenar o assassínio dos seus irmãos para consolidar o poder sob um emir.

O 15.º líder de uma família que governa o Kuwait há mais de 250 anos, o xeque Sabah ajudou a guiar os destinos do seu país durante a invasão do Iraque, o colapso do mercado global de petróleo e as várias crises no Parlamento, no Governo e nas ruas.

Apesar da sua idade avançada, permaneceu profundamente envolvido nos assuntos globais e, em maio de 2019, participou de uma cúpula de líderes árabes em Meca, onde as sessões-maratona se estendiam pela noite.

Naquela cúpula, Sabah defendeu veementemente a redução da escalada de tensão no Golfo, à medida que as tensões entre o Irão e os Estados Unidos atingiram níveis perigosos. "Devemos fazer todos os esforços para conter a situação", disse.

No crepúsculo de seu reinado, o emir liderou os esforços do seu país para combater o novo coronavírus. Mais de 104 mil casos foram registados no Kuwait até agora, incluindo cerca de 605 mortes.

O xeque Sabah atuou como uma voz política independente na região, o que ajudou a proteger a sua reputação regional, apesar da turbulência em casa.

Sabah assumiu o seu primeiro cargo governamental em 1962, aos 33 anos, antes de ser nomeado ministro das Relações Exteriores no ano seguinte - cargo que ocupou por quase 40 anos, antes de uma breve interrupção de seu serviço.

Ficou sem pasta entre abril de 1991 e outubro de 1992, num cenário em que muitos sentiram que ele poderia ter feito mais como ministro das Relações Exteriores para evitar a invasão do Iraque.

Mas a rotura não impediu a sua ascensão na hierarquia, e em 2003 foi nomeado primeiro-ministro, dando um passo mais rumo ao trono.

Sabah foi rápido em afirmar a sua autoridade depois de ser nomeado emir em 2006, dissolvendo o Parlamento após quatro meses no poder por causa de uma rivalidade entre legisladores e o Governo.

Durante o seu primeiro ano no trono, protestos em massa nas ruas criaram pressão para a formação de um Governo eleito. As manifestações tornaram-se violentas e foram rapidamente reprimidas.

Houve também um número recorde de prisões políticas durante o seu mandato, principalmente de dissidentes acusados ​​de criticar o governante.

A Assembleia Legislativa do Kuwait foi dissolvida sete vezes por ordem judicial ou sob as instruções do Sheikh Sabah al-Ahmad Al-Sabah, mais recentemente em outubro de 2016.

No ano seguinte, ocorreu um dos processos judiciais mais infames do Kuwait: um julgamento em massa no qual 67 ativistas, incluindo três legisladores, foram presos por invadirem o Parlamento seis anos antes.

Dezenas de outros foram levados a julgamento por criticarem o governante em público ou nas redes sociais, ambos proibidos por lei. Muitos deles acabaram atrás das grades.

O emir era amplamente considerado o arquiteto da política externa do Kuwait moderno.

Como principal diplomata do país por quase quatro décadas, fomentou laços estreitos com o Ocidente, principalmente com os Estados Unidos, que estava à frente da coligação internacional que libertou o Kuwait da ocupação iraquiana em 1991.

O xeque apoiou o Iraque durante a sua guerra de 1980-1988 com o Irão, antes de ver o seu próprio país invadido em 1990 pelo seu ex-aliado.

Mais tarde, emergiu como mediador entre o Conselho de Cooperação do Golfo e o Irão, e entre a Arábia Saudita e o Katar, após a decisão de Riade em 2017 de cortar os laços com Doha.

Os primeiros anos do seu mandato testemunharam uma relativa prosperidade financeira, com os ativos fiscais do emirado a chegar aos 600 mil milhões de dólares, graças aos altos preços do petróleo.

Mas a queda do mercado de petróleo em 2014 atingiu o Kuwait fortemente, forçando o Governo a aumentar os impostos sobre serviços públicos e combustível.

Sabah teve três filhos - menos do que muitos outros monarcas árabes -, um deles é empresário e outro é ex-ministro da Defesa.

A sua morte ocorre no mesmo ano do falecimento de outro famoso mediador regional, o sultão de longa data de Omã.

O seu provável sucessor, o xeque Nawaf Al-Ahmad Al-Jaber Al-Sabah, ocupou vários cargos importantes no Governo e foi nomeado príncipe herdeiro em 2006, após um consenso da família governante do emirado do Kuwait, que o escolheu para ocupar este cargo por causa da sua popularidade dentro da família.

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