Tusk acusa Boris de estar a fazer um "estúpido jogo de passa culpas"
O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, voltou a perder a paciência por causa do Brexit, em público, no Twitter. "Boris Johnson aquilo que está em causa não é ganhar este estúpido jogo de passa culpas. Em causa está o futuro da Europa e do Reino Unido bem como a garantia dos interesses dos nossos povos. Não quer um acordo, não quer uma extensão, não quer revogar [o Artigo 50.º que serviu para acionar o Brexit], quo vadis?", escreveu esta manhã o polaco, depois de a imprensa ter veiculado que o primeiro-ministro britânico se prepara para dar como falhadas as negociações com a UE27 sobre um plano alternativo para substituir o controverso ponto do backstop no acordo do Brexit.
Esta não é a primeira vez que Tusk perde a paciência no Twitter com os britânicos. Em fevereiro deste ano, ainda a primeira-ministra britânica era Theresa May, Tusk escreveu nessa rede social, a 6 de fevereiro: "Tenho estado a pensar como será o lugar especial no inferno para aqueles que promoveram o Brexit, sem sequer um desenho de um plano sobre o empreender em segurança."
Segundo a BBC, numa conversa telefónica com Boris Johnson, a chanceler alemã Angela Merkel terá dito que a UE só vai aceitar um acordo que mantenha a Irlanda do Norte na união aduaneira europeia, o que contraria o plano alternativo do primeiro-ministro conservador para resolver o impasse do Brexit.
Sem manter a província britânica alinhada com o mercado único europeu para evitar uma fronteira física na ilha da Irlanda, "ela disse que um acordo é altamente improvável", adiantou outra fonte do governo à Sky News.
O governo britânico propôs na semana passada a criação de uma zona regulatória comum entre a Irlanda do Norte e a vizinha Irlanda para facilitar a circulação de bens agroalimentares e industriais.
Porém, o plano pressupõe que a Irlanda do Norte sai da união aduaneira europeia e fica a fazer parte de uma união aduaneira britânica quando o Reino Unido sair da UE, após o período de transição, no final de 2020.
O alinhamento com as regras do mercado comum na Irlanda do Norte teria de ser autorizado pelas autoridades autónomas da província britânica todos os quatro anos.
O governo britânico considera que esta posição representa uma concessão e esperava que fosse suficiente para abrir negociações aprofundadas para chegar a um acordo a tempo do Conselho Europeu na próxima semana.
Outra fonte anónima, que a antiga ministra do Trabalho Amber Rudd disse à BBC Radio 4 acreditar ser o assessor do primeiro-ministro Dominic Cummings, adiantou à revista Spectator que, "se este acordo morrer nos próximos dias, não será ressuscitado".
Neste cenário, o governo britânico vai tentar concretizar uma saída sem acordo a 31 de outubro, ameaçando com retaliações os países que aceitarem um eventual pedido de adiamento do Brexit.
Legislação em vigor - a chamada lei Benn - estipula que o primeiro-ministro é obrigado a pedir uma extensão do processo do Brexit por mais três meses, até 31 de janeiro, se não for alcançado um acordo até 19 de outubro nem autorizada uma saída sem acordo (a 17 e 18 realiza-se um Conselho Europeu em Bruxelas).
"Vamos deixar claro, de forma privada e pública, que os países que se opuserem ao adiamento vão estar na frente da fila para uma futura cooperação - cooperação em assuntos dentro e fora das competências da UE. Aqueles que apoiarem o adiamento irão para o fim da fila", vincou a mesma fonte.
Apesar do tom inflamado da discussão, através dos media e das redes sociais, a Comissão Europeia nega que esteja próxima uma rutura das negociações entre Londres e a UE27. "As discussões técnicas prosseguem hoje [terça-feira]. Não vejo como podem estar num ponto de rutura, se estão a acontecer hoje e estão previstas para os próximos dias. Estamos a dar a oportunidade ao Reino Unido de apresentar as suas propostas mais detalhadamente", reagiu a porta-voz do executivo comunitário, Mina Andreeva, ao ser questionada sobre as informações segundo as quais Boris Johnson está a preparar-se para uma rutura das negociações com a União Europeia.
Andreeva, que falava na habitual conferência de imprensa da Comissão Europeia em Bruxelas, precisou ainda que o negociador-chefe do bloco comunitário, Michel Barnier, vai informar na quarta-feira o colégio de comissários sobre o ponto da situação das negociações do Brexit.
O Partido Trabalhista, liderado por Jeremy Corbyn, acusou, entretanto, o primeiro-ministro britânico de estar a fazer uma "tentativa cínica" para sabotar as negociações com a UE ao revelar o conteúdo de um telefonema com a chanceler alemã. "Esta é mais uma tentativa cínica do N.º 10 [de Downing Street] de sabotar as negociações. Boris Johnson [primeiro-ministro britânico] nunca vai assumir a responsabilidade pelo seu próprio fracasso em propor um acordo credível. A sua estratégia desde o primeiro dia foi para um Brexit sem acordo", acusou o deputado Keir Starmer.
Segundo escreveu no Mujtaba Rahman, especialista da consultora Eurasia, citado pelo Guardian, um colapso das negociações deixa os deputados e a oposição com um grande dilema. Confiam que a lei Benn é robusta o suficiente para impedir Boris de levar o país para um No Deal? Ou vão expulsá-lo? A última é mais provável - mas não há sinal ainda de quem seria o primeiro-ministro interino".
Isto porque trabalhistas e liberais-democratas - estes liderados por Jo Swinson - não se entendem sobre o nome de Corbyn. O problema é que, se não agir rápido, a oposição pode perder o pé e, depois, ser demasiado tarde. Isto porque, estando o Parlamento suspenso, só regressa dia 14 com o discurso da Rainha Isabel II, que marca o início de uma nova legislatura. Segue-se um debate de seis dias, o que, em teoria, impediria uma moção de censura. No final, poderiam votar contra o discurso da Rainha - que na prática é escrito pelo governo - mas Boris Johnson não seria obrigado a demitir-se (ao contrário do que aconteceria com uma moção de censura).
Quanto à lei Benn, Boris sempre disse que vai cumpri-la. Pode escrever uma carta à UE27 a pedir uma extensão do Artigo 50.º e, em seguida, outra a anular esse pedido. O chefe do governo poderia escudar-se na decisão deste segunda-feira do tribunal da Escócia, que decidiu que o líder conservador não é obrigado a pedir um novo adiamento do Brexit (que seria já o terceiro). O que seria estranho, porém, uma vez que o mesmo Boris criticou os tribunais quando eles declararem ilegal a sua suspensão forçada do Parlamento britânico.