"Trump tem o vocabulário de uma criança de 6 anos"

Para Peter Kuznick, professor de História na Universidade Americana em Washington, "as coisas parecem bem encaminhadas" para um impeachment a Trump. Kuznick é especialista em temas nucleares e autor do livro "A História não Contada dos Estados Unidos", escrito com o realizador Oliver Stone e editado em Portugal pela Vogais.

Está assustado com a presidência de Donald Trump?

Aterrorizado. A ameaça mais imediata vem das políticas nucleares. Basta pensar que uma guerra muito limitada, por hipótese entre a Índia e o Paquistão, em que explodissem cem bombas equivalentes à de Hiroxima, seria suficiente para causar dois mil milhões de mortos, uma queda abrupta das temperaturas e doenças pelo menos durante uma década. Imagine-se o que poderia acontecer se fosse usada apenas uma fração das cerca de 15 mil armas muito mais potentes. Trump disse durante a campanha que responderia a um ataque terrorista com armas nucleares, já ameaçou rasgar o acordo com o Irão e os seus conselheiros em matéria de política externa são assustadores. Rodeou-se de um bando de islamofóbicos.

Já se fizeram muitas comparações entre Hitler e Trump. É exagero?

Apesar de muitas semelhanças, Trump ainda não é um Hitler, nem nós deixaremos que ele se torne num. Ele apela às piores tendências que existem na sociedade, tem posições muitos hostis em relação aos muçulmanos e não lhe corre no sangue um pingo de bondade ou de generosidade humana. Mas ainda não vimos aquele ódio cego que poderia levar a uma loucura genocida como no caso de Hitler. Um sinal preocupante, porém, é o desprezo que mostra pela verdade. Não é um nazi, mas não tenho dúvidas de que um homem como Trump seria um nazi na Alemanha dos anos 30.

Tem esperança de que o Partido Republicano funcione como travão à loucura de Trump durante os próximos quatro anos?

Não, porque quem o criou foi o Partido Republicano. Trump é um produto de anos e anos de posições republicanas que apelam ao pior da sociedade americana: ao ódio, preconceito, medo, racismo, à misoginia. Trump vai apenas um bocadinho mais longe do que é o republicano médio dos dias de hoje. Os extremistas do Tea Party acabaram com os republicanos moderados. A única esperança, ainda que ténue, é que os menos extremistas dos extremistas percebam que Trump não é bom para o partido e que ficariam melhor com Mike Pence.

O ano de 2017 marca o 25.º aniversário do fim da Guerra Fria. Como vê a relação EUA-Rússia? Podemos falar de um antes e um depois de Vladimir Putin?

Nos tempos de Boris Ieltsin a relação Washington-Moscovo foi uma maravilha para a classe dirigente norte-americana, mas revelou-se um desastre para a Rússia. Ieltsin aceitou tudo o que os EUA queriam. O resultado foi a economia russa a encolher. Até a esperança média de vida caiu dos 66 para os 57 anos. O escritor Alexander Soljenítsin, depois de ter estado exilado durante duas décadas, voltou à Rússia e descreveu a situação em 2000: "Os setores fundamentais do Estado foram destruídos ou saqueados. Vivemos entre ruínas. As falsas reformas deixaram ainda mais pessoas na pobreza." Este foi o momento em que a NATO começou a expandir-se para leste - apesar de Bush ter prometido a Gorbachev de que isso não aconteceria se a Rússia viabilizasse a reunificação alemã.

E com Vladimir Putin?

No início, Putin teve um comportamento amistoso para com os EUA. Mas aos poucos, à medida que a NATO continuou a expandir-se até às portas da Rússia, a relação com Bush filho azedou. Barack Obama prometeu recomeçar do zero, mas continuou a seguir as políticas que eram vistas por Putin como uma ameaça para a segurança nacional russa, incluindo o envio de armamento para o espaço, a expansão da NATO, o envio de tropas para o Báltico, a Ucrânia, as sanções... Apesar de ter havido uma colaboração positiva em casos como o acordo nuclear com o Irão, as relações deterioraram-se a um ponto em que começou a falar-se numa "nova Guerra Fria". Em 2016 a situação era de facto perigosa. EUA e Rússia estiveram mais perto da guerra do que em qualquer momento desde 1962.

Com Trump passámos da nova guerra fria ao amor quente?

No último ano fui várias vezes à Rússia. Foi preocupante perceber que os meus colegas russos preferiam Trump a Hillary Clinton. Não sou um fã de Clinton, mas tentei explicar-lhes que ela seria sempre preferível a um louco imprudente, intolerante, ignorante, narcisista e impulsivo. A única coisa que Trump fez até agora como presidente que me deixa um bocadinho de esperança foi o telefonema com Putin. É bom que tenha conseguido reduzir as tensões. Mas o facto de neste momento estar a ser amigável para com a Rússia não significa que seja assim amanhã. Um homem que perde as estribeiras se for provocado no Twitter não devia jamais ter acesso aos códigos nucleares.

É uma questão de tempo até que as coisas amarguem?

Trump é um homem cheio de ódio e preconceituoso. E rodeou-se de pessoas da mesma laia. Creio que as relações vão azedar muito depressa.

Trump estará a começar uma nova guerra fria com a China?

Infelizmente, parece que sim. Mas também nesta questão a sua política pode mudar amanhã.

Quão plausível é um impeachment a Trump?

As coisas parecem bem encaminhadas. Até no próprio partido há muita gente a perder a cabeça. Trump tem a maturidade emocional de uma criança de 4 anos, o vocabulário de uma de 6 e é incapaz de pensar um problema complexo. Tem tanta propensão para os escândalos que dá aos opositores corda mais do que suficiente para que o enforquem.

Os conflitos de interesses...

Estão por todo o lado. Recusa publicar as declarações de impostos e passou os negócios para as mãos dos idiotas dos filhos. Há vários processos a correr contra ele e convém não esquecer que uma dúzia de mulheres apareceu durante a campanha a acusá-lo de assédio. O país está mobilizado contra ele. Desde os movimentos contra a Guerra do Vietname nos anos 1960 que não assistíamos a este nível de mobilização política. Muitos republicanos preferiam ver Mike Pence [atual vice-presidente] no lugar de Trump. Não terá a mesma pompa e circunstância, mas é um herói dos fanáticos cristãos da ala mais à direita do partido.

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