Trump sobe 10% gastos com defesa em véspera de ida ao Congresso
Do fundo do hemiciclo da Câmara dos Representantes, o sargento de armas anuncia: "Senhor speaker, o presidente dos Estados Unidos!" Nesse momento, por volta das 21.00 de hoje em Washington (02.00 de quarta-feira em Lisboa), Donald Trump entrará na sala para o primeiro discurso diante das duas câmaras do Congresso desde que tomou posse, a 20 de janeiro. Constrangido por regras protocolares, com dezenas de milhões de americanos a assistir a um evento transmitido pelas televisões em horário nobre e diante de uma plateia de onde poucos esperam vir aplausos dos eleitos democratas, o presidente deverá enunciar as vitórias das primeiras semanas do seu mandato. E definir as políticas para os próximos meses, tentando dar um novo começo a uma presidência já marcada por guerras judiciais, demissões na administração e acusações de ingerência da Rússia.
"Podemos esperar que o presidente apresente uma lista detalhada das muitas coisas que fez nos primeiros 40 dias", explicou Kellyanne Conway ao site Politico. A conselheira presidencial sublinhou ainda que Trump é "o melhor porta-voz de si próprio, sobretudo quando se trata de feitos que foram largamente ignorados". Uma insinuação que reflete as acusações do próprio presidente contra os media, que não só diz veicularem "falsas notícias" como garante não publicarem notícias que lhe sejam favoráveis.
A ideia de fazer um reset - apagar tudo e voltar a começar - foi confirmada ao Politico por um responsável da Casa Branca, que admitiu: "Sim, podemos usar a expressão." A responsabilidade por dar novo começo à presidência Trump cabe a Stephen Miller, o mesmo autor do discurso de tomada de posse. Desta vez espera-se que o tom seja menos apocalíptico. Nas escadas do Capitólio, no dia 20 de janeiro, Trump descrevia uma América onde "mães e filhos estão presos na pobreza nas nossas cidades (...), o sistema de ensino está cheio de dinheiro mas deixa jovens estudantes sem qualquer conhecimento e o crime e os gangues e as drogas roubaram demasiadas vidas e tiraram ao nosso país tanto potencial. Este massacre americano acaba aqui e agora".
As sessões conjuntas do Congresso são raras. E o primeiro presidente a discursar diante do Senado e da Câmara dos Representantes foi John Adams ainda no século XVIII. Trump - que no domingo viu o nomeado para secretário da Marinha, Philip Bilden, retirar-se devido a problemas de incompatibilidade com os negócios - deverá concentrar-se em quatro grandes áreas: impostos, segurança das fronteiras, reforma da saúde e infraestruturas.
Ontem soube-se que o presidente tenciona aumentar em 54 mil milhões de dólares (quase 10%) o orçamento do Pentágono, cortando um valor equivalente noutras áreas, sobretudo em ajuda externa e na proteção do ambiente. Apesar dos cortes introduzidos por Barack Obama, aproveitando a retirada do Afeganistão e Iraque, os EUA gastaram 596 mil milhões em defesa em 2015 (3,3% do PIB). Nesse mesmo ano, o Stockolm International Peace Research Institute (SIPRI) estima que a China tenha gasto 215 mil milhões (2% do PIB), um valor que terá aumentado 7,6% em 2016.
Com os cortes noutras áreas, Trump pretende cumprir a promessa de apostar na defesa sem tocar na educação ou na saúde. "Vamos fazer mais com menos e tornar o governo mais poupado e digno de confiança", garantiu Trump num jantar com 46 dos 50 governadores dos estados americanos, no domingo à noite. O presidente sublinhou que os EUA têm "de começar a ganhar outra vez... não lutamos para ganhar. Por isso, ou passamos a ganhar ou não vale a pena lutar".
Durante a festa na Casa Branca, que coincidiu com a cerimónia dos Óscares, o presidente falou ainda da reforma da saúde. E, sem avançar pormenores, garantiu que a sua proposta de lei vai ser "muito especial", insistindo que o Obamacare, a reforma assinada pelo antecessor Barack Obama, tem de ser "revogada e substituída". Este poderá ser um dos assuntos que Trump volte a abordar diante do Congresso.
Com os republicanos em maioria tanto no Senado (52 contra 48) como na Câmara (238 contra 193 - há quatro lugares vagos), Trump deverá contar com algum apoio no Congresso para o que a Casa Branca tem descrito como "o reavivar do espírito americano". Mas muitos eleitos republicanos também já manifestaram alguma impaciência para conhecerem a posição exata do presidente em termos de saúde, impostos e comércio. E o líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, deixou um desejo: que Trump deixe uma mensagem "livre de tweets, otimista e inspiradora sobre o rumo que a América deve seguir".
Conhecido por gostar de sair do guião, Trump terá de se confrontar com a oposição democrata liderada pelo senador Chuck Schumer, que o presidente apelidou de "palhaço principal" e "peso-pluma", acusando-o de chorar "lágrimas de crocodilo" após a nova administração suspender a entrada nos EUA de cidadãos de sete países de origem muçulmana. Ora, os democratas terão precisamente convidado refugiados muçulmanos e imigrantes que chegaram aos EUA de forma ilegal, tendo histórias de sucesso, para estarem presentes nesta noite.