Trump declara guerra a juízes e ganha tribunais como inimigos
"VEMO-NOS NOS TRIBUNAIS", tweetou Donald Trump depois de um tribunal de San Francisco ter rejeitado o seu recurso para acabar com a suspensão da proibição de entrada nos Estados Unidos decretada pelo presidente para cidadãos de sete países de maioria muçulmana. O comentário foi seguido da garantia dada pelo inquilino da Casa Branca de que irá batalhar até ao Supremo Tribunal para que a sua ordem executiva volte a entrar em vigor, garantindo assim "a segurança da nação". Mas diante dos obstáculos que se avizinham, Trump já admitia ontem emitir um novo decreto, contornando assim aqueles que se estão a tornar nos seus maiores inimigos: os juízes.
Apesar de já ter os conselheiros a trabalhar num novo decreto, Donald Trump não é homem para fugir de uma guerra. Chamou "alegado juiz" ao magistrado que primeiro suspendeu o decreto presidencial que além de suspender a entrada de cidadãos de sete países também suspende a entrada de refugiados nos EUA. Acusou os tribunais de serem partidários e "políticos" e insinuou que se acontecesse um ataque terrorista no país enquanto a sua ordem executiva estiver suspensa, a culpa é dos juízes. E depois de o tribunal de recurso de San Francisco ter confirmado a suspensão do decreto, o presidente voltou a sublinhar que "até um mau aluno do liceu consegue perceber" que a segurança dos EUA está em risco.
Foi no Twitter, o seu meio favorito de se exprimir e comunicar com o americanos e o mundo, que Trump ontem escreveu: "O nosso sistema legal está falido". Acrescentando: "77% de refugiados autorizados a entrar nos EUA desde a suspensão da proibição de viajar. TÃO PERIGOSO!"
Para a revista Slate, o que Trump está a fazer é "culpar os tribunais por politizarem os tribunais ao agirem como tribunais". Aquela publicação, assumidamente de esquerda, classifica ainda a atitude do presidente em relação ao juízes como sendo "perturbadora" e explica que "Trump declarou guerra ao sistema judicial pela mesma razão que declarara guerra ao sistema eleitoral, aos serviços secretos, ao Congresso, etc".
A bordo do Air Force One a caminho de Mar-a-Lago, onde ia passar um fim de semana de golfe e diplomacia com o primeiro-ministro japonês Shinzo Abe, Trump explicou que o novo decreto presidencial deve mudar "muito pouco" em relação ao anterior, mas sem dar mais pormenores. "Vamos vencer esta batalha. Infelizmente demora tempo. Vamos vencer esta batalha. Mas temos muitas outras opções, incluindo emitir uma nova ordem executiva", afirmou o presidente.
Com um sistema de governo criado a pensar no equilíbrio de poderes, os Estados Unidos garantem que o presidente não pode tomar as decisões sozinho. E se as tomar, há outras instituições para o travar. No caso de Trump, o chefe do Estado até pode contar com um Congresso em que os republicanos têm maioria em ambas as Câmaras (o que mesmo assim não garante nada). Mas os tribunais têm o poder de declarar inconstitucional qualquer ato do presidente.
Duras críticas
Os ataques de Trump contra o sistema judicial valeram-lhe duras críticas. Inclusive dentro do seu campo político. Até Neil Gorsuch, o juiz que o presidente nomeou para o Supremo Tribunal e que aguarda ainda pela aprovação do Senado, veio, considerou esses comentários "desmoralizadores".
A proibição de entrada nos Estados Unidos de cidadãos de sete países de maioria muçulmana foi até agora a decisão mais polémica da presidência Trump. E testou a capacidade do inquilino da Casa Branca de impor a sua vontade a um sistema político e judicial que jurou dominar mas que tem resistido às suas ordens. Sobretudo o judicial.
O decreto presidencial original, emitido em janeiro, logo depois da posse de Trump, suspende a entrada de refugiados nos EUA durante 120 dias, além de proibir a entrada no país de cidadãos do Irão, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iémen. Uma nova ordem executiva poderá ser mais explícita, respondendo às preocupações dos juízes que suspenderam a anterior. Por exemplo no que se refere a cidadãos com autorização de residência permanente nos EUA (green card), uma vez que o texto principal era omisso em relação a eles, gerando confusão dentro da própria administração sobre se estariam ou não proibidos de entrar. A Casa Branca pode ainda, segundo o New York Times, mudar alguns países da lista e restringir a categoria de pessoas abrangidas.
Enquanto isso não acontece - Trump admitiu que o novo decreto presidencial pode ser emitido já nesta segunda ou terça-feira -, as autoridades americanas têm concentrado esforços no combate contra os imigrantes ilegais. Na semana que agora termina, foram realizadas várias operações em meia dúzia de estados que terminaram com a detenção de centenas de pessoas, na maioria criminosos condenados, mas também algumas sem cadastro. Durante a campanha, Trump prometeu deportar três milhões de ilegais condenados por crimes nos Estados Unidos. Ao todo estima-se que vivam no país 11 milhões de imigrantes sem documentos.