Dois mortos e polícias alvejados. Trump ameaça com tropas nas ruas
Os EUA viveram mais uma noite marcada pela violência, com pilhagens, detenções e duas vítimas mortais a registar durante os protestos em Cicero, em Chicago, contra a morte de George Floyd, o afro-americano que morreu às mãos da polícia.
Em St. Louis, quatro polícias foram alvejados a tiro na sequência de protestos, que começaram pacificamente mas que se tornaram violentos, informaram esta terça-feira as forças de segurança.
O departamento de polícia publicou na rede social Twitter que os polícias foram levados para um hospital com ferimentos que não se acredita serem fatais. Não ficou claro quem disparou os tiros.
Já em Buffalo, Nova Iorque, o condutor de uma viatura investiu sobre um grupo de polícias numa manifestação, ferindo pelo menos dois agentes.
Em Washington, na capital, a polícia voltou a usar gás lacrimogéneo e projéteis para dispersar os manifestantes, enquanto em Nova Iorque o recolher obrigatório não impediu outra noite de destruição, registando-se detenções na sequência de pilhagens.
Antes de alguns destes casos, a agência de notícias Associated Press indicara que pelo menos 5.600 pessoas tinham já sido detidas nos EUA desde o início dos protestos contra a morte de George Floyd.
As detenções tiveram lugar sobretudo em cidades em que as manifestações se tornaram mais violentas e num momento em que a polícia e os governadores são instados pelo Presidente, Donald Trump, a endurecer as ações para reprimir os protestos.
Em Minneapolis, onde Floyd morreu, foram efetuadas 155 detenções, 800 em Nova Iorque e mais de 900 em Los Angeles.
A indignação foi sentida um pouco por todo o país. De Nova Iorque a Los Angeles, de Filadélfia a Seattle, centenas de milhares de norte-americanos têm-se manifestado contra a brutalidade policial, o racismo e a desigualdade social.
As manifestações terminaram muitas vezes em confrontos com a polícias, em pilhagens e tumultos, levando várias cidades a mobilizar a Guarda Nacional e a impor o recolher obrigatório.
No seu discurso, em tom irritado, o presidente dos EUA, Donald Trump avisou que se os governadores não acabassem com a violência nos seus estados enviaria militares "para lhes resolver o problema...".
Após os resultados da autópsia a George Floyd, que atribuem a causa da morte a homicídio, o presidente dos EUA falou ao país sobre as manifestações que se estão a espalhar pelos vários estados após a morte do afro-americano.
O presidente dos EUA fez uma declaração às 18:30 (hora local) a partir do Rose Garden, no exterior da Casa Branca.
"A América precisa de justiça não de caos", disse Trump, em fúria, avisando que está a mobilizar todas as forças federais para restabelecer a ordem, caso os governadores não contenham os protestos que definiu como "terrorismo doméstico".
"Sou o presidente da Lei e da Ordem", avisou, acrescentando que irá invocar uma lei de 1807 para mobilizar os militares em todo o país e "resolver rapidamente o problema".
A última vez que a lei foi invocada aconteceu durante os protestos de retaliação contra a agressão a Rodney King em 1992, em Los Angeles.
Na altura, um júri absolveu quatro agentes do Departamento de Polícia de Los Angeles, três brancos e um hispânico, acusados de agressão contra o motorista negro Rodney King após uma perseguição em alta velocidade.
"Vou mobilizar as forças armadas dos Estados Unidos e resolver-lhes rapidamente o problema", disse Trump.
"Também estou a tomar medidas rápidas e decisivas para proteger a nossa grande capital, Washington, DC. O que aconteceu nesta cidade na noite passada foi uma desgraça total", acrescentou.
O presidente dos EUA disse que foram enviados mais elementos da Guarda Nacional para Washington e voltou a frisar que a Antifa está entre os instigadores dos "motins".
"Onde não há segurança não há futuro", frisou.
Ao mesmo tempo que Trump discursava, e segundo a CNN, a polícia parecia estar a atingir os manifestantes com gás lacrimogéneo junto à Casa Branca.
Alguns dos manifestantes podiam ser vistos a erguer as mãos para a polícia e a pedir: "Não disparem".
No discurso, após o silêncio desde sábado, Trump promete aumentar o número de militares se a violência continuar.
"Não se trata de atos de protesto pacífico, são atos de terrorismo doméstico. É a destruição de vidas inocentes. O derrame de sangue humano é uma ofensa contra a humanidade e um crime contra Deus", afirmou.
Trump disse mesmo que se os governadores não acabassem com a violência nos seus estados enviaria militares "para lhes resolver o problema...", acrescentando que estes devem "dominar" os manifestantes ou usar os militares para acabar com a violência.
Trump explicou que, "nos últimos dias, a nação ficou agarrada por anarquistas" e "multidões violentas", tendo anunciado "ações presidenciais imediatas para parar a violência e restaurar a segurança" no país.
"Vou mobilizar todos os recursos federais disponíveis, civis e militares, para parar os motins e as pilhagens [...], e proteger os norte-americanos que obedecem às regras", prosseguiu Trump.
Durante vários dias, o presidente dos EUA enviou mensagens contraditórias, quando a indignação tomou conta de dezenas de cidades após a morte de George Floyd.
Após o regresso de Trump da Florida, na noite de sábado, Washington aguardava um pronunciamento, talvez uma mensagem de união a um país atingido por mais de 100.000 mortes e 40 milhões de desempregados devido à pandemia e agora atravessa a maior onda de protestos civis em décadas, recorda a AFP.
Trump ficou longe dos holofotes durante todo o dia de domingo, com exceção de uma série de tweets para censurar os media e os democratas por uma suposta falta de demonstração de força em relação aos manifestantes.
A imagem da Casa Branca com as luzes exteriores apagadas no domingo à noite, a poucos quarteirões de distância da multidão de manifestantes que incendiaram barricadas e partiram janelas, reflete a desconexão entre o Presidente e os cidadãos norte-americanos.
E nesta segunda-feira não havia indicação de uma aparição de Donald Trump, que não tinha eventos públicos agendados.
"Um discurso nacional na Sala Oval não impedirá as ações da Antifa", disse a porta-voz do presidente esta segunda-feira, referindo-se à rede de ativistas de extrema-esquerda que Trump acusa de liderar a violência nos últimos dias.
Além da mensagem sobre as eleições, os outros tweets do presidente dos EUA pareciam menos voltados a restaurar a calma do que a apoiar as suas bases.
Num deles citou um apresentador da Fox News por negar que os grupos supremacistas brancos tivessem desempenhado um papel importante para motivar os protestos.
Noutro tweet desqualificou o seu rival democrata nas próximas eleições presidenciais, Joe Biden, quando afirmou que estava cercado pela "Esquerda Radical" que está "a trabalhar para tirar os anarquistas da cadeia, e provavelmente outras coisas".
"Ele está a usar as forças armadas dos EUA contra os americanos. Ele está a usar gás lacrimogéneo contra manifestantes pacíficos e a disparar balas de borracha. Para uma foto", escreveu o candidato democrata à Casa Branca Joe Biden e ex-vice-presidente dos EUA na rede social Twitter, após a visita surpresa de Donald Trump a uma igreja icónica junto à Casa Branca, durante os protestos.
Antes, Biden prometera lidar com o "racismo institucional" nos primeiros 100 dias do seu mandato, se for eleito Presidente dos EUA.
"O ódio simplesmente não se esconde. Não desaparece. Quando alguém no poder que respira oxigénio para o ódio debaixo de pedras, o ódio emerge das pedras", disse Biden, no encontro com os líderes negros, repetindo as críticas ao seu rival presidente, Donald Trump, a quem acusa de instigar à violência, com mensagens no Twitter.
Na mesma rede social, Tiger Woods junta a sua voz ao coro de personalidades do mundo do desporto que lamentam a morte de George Floyd. A estrela mundial de golfe dirige uma palavra à família de Floyd e fala na atuação da polícia.
O atleta refere que sempre teve o "maior respeito" pelas forças de segurança, que "treinam" para saber como e quando devem usar a força. "Foi claramente ultrapassa essa linha nesta tragédia chocante", considera.
O ex-campeão mundial de golfe condenou a violência que tem marcado os protestos, e recordou os confrontos de 1992 em Los Angeles, que se seguiram à absolvição de quatro polícias suspeitos do espancamento do afro-americano Rodney King em 1991.
"Podemos defender" as nossas opiniões "sem queimar os bairros em que vivemos", disse Woods. "Espero que, através de conversas construtivas e honestas, possamos construir uma sociedade mais segura e unificada", deseja o atleta norte-americano.
Soube-se, entretanto, que vai que o ex-campeão mundial de boxe, Floyd Mayweather, vai pagar o funeral de George Floyd, de acordo com informação revelada pelo representante do pugilista à ESPN.
A autópsia pedida pela família de George Floyd revelou que o afro-americano morreu de asfixia devido à compressão do pescoço e das costas quando um polícia de Minneapolis o pressionou contra o chão com o joelho. Também a autópsia oficial, assinada pelo médico legista do condado de Hennepin, no Minnesota, refere que a morte do afro-americano se deveu a homicídio, resultante do facto de Floyd ter sido manietado.
Entretanto, o irmão de George Floyd apelou esta segunda-feira para a paz nas ruas, dizendo que a destruição não vai trazer o seu familiar de volta.
A informação sobre as conclusões da autópsia independente foi revelada pelo advogado da família, Ben Crump, segundo o qual existem sinais de que a compressão cortou o fluxo sanguíneo para o cérebro de George Floyd e o peso nas costas dificultou a respiração.
O comunicado da autópsia oficial diz que a morte se deveu a uma"paragem cardiorrespiratória" decorrente da "aplicação, pelo agente da polícia, de uma subjugação, restrição e compressão do pescoço" de Floyd, cita a CNN, uma nota que é divulgada pela generalidade dos media norte-americanos. O New York Times aponta que ambas as autópsias concordam que foi homicídio, mas que diferem nas causas.
A American Heart Association descreve a paragem cardiorespiratória como a perda abrupta da função cardíaca.
O comunicado do médico legista disse que Floyd sofria de doenças cardíacas, incluindo "cardiopatia arteriosclerótica e hipertensiva", e que a autópsia mostrou ainda intoxicação por fentanil [um opioide que é utilizado como medicação para a dor] e uso recente de metanfetamina [uma droga sintética estimulante].
George Floyd, um afro-americano de 46 anos, morreu na noite de dia 25 de maio, em Minneapolis, após uma intervenção policial violenta, cujas imagens foram divulgadas através da internet.
Num vídeo filmado por transeuntes e divulgado nas redes sociais, é possível ver um dos agentes, Derek Chauvin, pressionar o pescoço de Floyd com o joelho durante vários minutos.
No mesmo vídeo, vê-se Floyd a dizer ao polícia que não consegue respirar.
Atualizado às 08:22