Telenovela argentina: Macri toma posse sem Kirchner

Cerimónia de hoje gerou debate entre macristas e kirchneristas e só na justiça o caso ficou decidido. De tal forma que, durante 12 horas, país terá líder do Senado como presidente
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Há supostos telefonemas aos gritos, trocas de acusações públicas, reuniões interrompidas e idas a tribunal para decidir, afinal, quando é que termina o mandato de um presidente. Pode parecer o enredo de uma telenovela (ou talvez até da quarta temporada da série House of Cards), mas é a realidade da passagem de testemunho na Argentina entre Cristina Kirchner e Maurício Macri. Após 12 anos de kirchnerismo, o novo presidente toma hoje posse ao meio-dia (15.00 em Lisboa), numa cerimónia que deu muita discussão e à qual não assistirá a antecessora.

O primeiro capítulo desta telenovela estreou-se a 24 de novembro, dois dias depois de o candidato da aliança Cambiemos (Mudemos) ter vencido o peronista Daniel Scioli na segunda volta das presidenciais argentina. Chamado para uma reunião com Kirchner na residência presidencial de Olivos, onde pensava que ia começar a tratar da transição, Macri saiu do encontro visivelmente chateado, dizendo aos jornalistas que este não tinha "valido a pena".

O enredo complicou-se à medida que foram sendo conhecidas as últimas medidas económicas aprovadas pela presidente, entre elas a decisão de devolver às províncias 15% dos impostos retidos pelo Estado federal. Uma medida que afetará o orçamento com o qual o futuro presidente terá de trabalhar. "Em vez de sair pela porta grande, escolhe sair pela porta pequena", disse Macri no dia em que apresentou o governo, acusando Kirchner de "não querer colaborar" na passagem de testemunho.

De facto, desde um primeiro momento que não havia acordo sobre a forma como o poder seria entregue. Macri queria que o juramento da tomada de posse fosse no Congresso, diante de todos os congressistas como estabelece a Constituição, mas que o ato simbólico de receber a faixa e o cetro presidencial das mãos de Kirchner decorresse na Casa Rosada (sede do poder), como está estabelecido no protocolo da Presidência, apenas com os seus candidatos. Mas a mandatária defendia que toda a cerimónia devia ocorrer no Congresso - foi assim com ela e com o falecido marido, o ex-presidente Néstor Kirchner.

Telefonema aos gritos?

O capítulo mais polémico ocorreu já neste fim de semana, quando Macri telefonou a Kirchner. Depois de desligar a chamada, a presidente publicou um longo texto nas redes sociais a condenar as "exigências" do sucessor em relação à tomada de posse, lembrando que não estava a falar da sua festa de aniversário. A presidente também não gostou do tom usado por Macri - supostamente falou aos gritos.

"Quem falava do outro lado parecia uma pessoa totalmente distinta da que aparece nos media e com quem já conversei. A tal ponto que, a certa altura, tive de recordar-lhe que, além dos nossos cargos, ele era um homem e eu uma mulher e que não me podia tratar daquela forma", escreveu Kirchner. A equipa de Macri saiu em sua defesa, negando que este tenha gritado.

Apesar da tensão, uma reunião para decidir os pormenores da cerimónia foi marcada para terça-feira. Mas não durou muito. Os representantes kirchneristas saíram a meio após descobrirem que os macristas tinham recorrido à justiça para decretar que o mandato da presidente terminava às 23.59 de ontem, o que permitia a Macri organizar a cerimónia de hoje como quisesse.

"Entre isto e um golpe de Estado não há muita diferença", disse o chefe dos serviços secretos argentinos e homem de máxima confiança dos Kirchner, Óscar Parrilli. A decisão ficou nas mãos da juíza María Servini de Cubría, depois de o procurador Jorge Di Lello ter aceitado o pedido. Ontem, a juíza decidiu a favor de Macri, dizendo que até ao juramento oficial, a presidência ficará nas mãos do líder provisório do Senado, Federico Pinedo.

"A presidente não se vai expor a ser acusada de usurpação de cargo se for fazer a entrega do poder", afirmou Parrilli, indicando que não estão reunidas as condições para que Kirchner vá ao Congresso. Também os deputados da Frente para a Vitória estarão ausentes no capítulo de hoje desta novela. Macri deverá receber os símbolos presidenciais no Salão Branco da Casa Rosada, como queria, mas não das mãos de Kirchner. No final, será o presidente por 12 horas, Pinedo, que os entregará.

Dentro das cenas dos próximos capítulos, de destacar o facto de os kirchneristas terem "sequestrado" a conta de Twitter da Casa Rosada, seguida por 300 mil pessoas. A partir de hoje deixa de ser oficial e passa a ser um veículo de mensagens dos anos de governo Kirchner.

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